Falar de palavrões não é tarefa fácil. Por vários motivos, desde preconceitos de quem lê a, infelizmente, preconceitos entranhados no cérebro de quem escreve. No meu caso isso é completamente verdade. Não tenho qualquer problema em ler textos com palavrões, mas já escrevê-los... Quando escrevo uma história, por exemplo, tenho que fazer um esforço consciente para os incluir nos diálogos, porque é algo que me faz mesmo espécie.
Se bem que não é bem preconceito. Acho que são realmente palavras feias, e não gosto de escrever palavras feias. São óptimas para utilizar na oralidade, mas na escrita... Genuinamente falando, não gosto.
É por isso que vou escrever esta crónica sobre palavrões sem escrever um único palavrão. Ah!
Começo é por vos pedir para fazerem uma pausa nesta leitura, e seguirem para a crónica sobre palavrões que o Filipe Faria escreveu para o Morrighan. Muito bom. E explica perfeitamente o que se passa com os palavrões, porque é que os consideramos palavrões, e porque raio é que existe tanto pudor com eles.
Não é sobre isso que quero falar, no entanto. A aceitação, ou não, dos palavrões pelo público geral é algo complicado, mais que não seja porque o público geral tem as grilhetas do politicamente correcto, que não incluem, obviamente, quaisquer palavrões.
Eu quero apenas pôr mais um prego no caixão dos argumentos anti-palavrões dessas pessoas. O meu objectivo é explicar a utilidade e a eficácia dos palavrões. Para tal, vou recorrer à segunda crónica do Filipe Faria, no Morrighan, sobre palavrões, estes menos profanos e mais arcaicos. A defesa que o autor faz da utilização de termos ditos complicados, antigos e obscuros, é quase tão boa como a utilização que faz na sua escrita desses mesmos vocábulos.
É importante, neste texto, repararem em algo muito essencial. Há palavras portuguesas, muitas vezes arcaicas e praticamente caídas em completo desuso e esquecimento, que resumem uma frase inteira. Os exemplos que o autor dá são chanfalho e arandela, que substituem "espada de má qualidade" e "parte saliente da boca do castiçal", respectivamente. Quão genial é isto? Muito!
Reparem em como se trocam expressões compridas e desajeitas por uma única palavra, com um ar peculiar, que chama a atenção e claramente fica no ouvido, mais que não seja pela estranheza? Fantástico! Esta é boa parte da beleza da nossa língua, a capacidade que ela tem de ter uma palavra única para praticamente tudo o que se possa imaginar, algo que também é visível em A Demanda de D. Fuas Bragatela, de Paulo Moreiras.
Temos uma língua riquíssima, é verdade, e aproveitamo-la muito mal. E isto não é válido simplesmente para palavras antigas, complicadas e etc. Também é válido, e muito, para os palavrões. Os a sério.
Digam-me, existe algo mais perfeito para se dizer quando nos aleijamos, do que um belo de um palavrão? Ou na escrita, num diálogo entre pessoas normais, vamos fazer com que chamem "pega" a alguém, quando não é bem isso que se quer dizer? Há algo mais explicativo do que um belo de um palavrão?
Pois é. Faz sentido. E os leitores ficam mais do que esclarecidos. Mas há mais! Os palavrões ainda têm o dom de serem palavras muito fortes e marcantes, de tal forma que podem mudar completamente o tom de um texto. Mais que não seja obrigam o leitor a parar e a dar conta daquilo que está a ler. Porque o palavrão a isso obriga, é algo chamativo, até chocante (para os padrões politicamente correctos de hoje) e que nos faz pensar duas vezes.
Ou seja, os palavrões podem fazer a diferença num texto, desde que bem utilizados. Porque uma coisa é dar realismo a uma conversa, outra é encher um texto de palavrões porque isso é avant-garde, ou o raio que o parta. Palavrão pelo palavrão faz tanto sentido como incluir sexo só porque sim, ou ter uma personagem de uma minoria só porque tem de ser, ou algo parecido. Tem que fazer sentido. Não pode exagerar sem um motivo (muito) válido. E não pode perturbar a escrita, antes pelo contrário: tem que fazer parte, e ser tão natural como o resto que está à volta.
Só que isso é complicado de fazer, e uma boa parte na nova vaga de escritores portugueses, por exemplo, cai no erro do avant-garde-ismo baratucho. O que é mau, não só para a literatura portuguesa, como para os palavrões, palavras tão dignas como quaisquer outras. Um bocado feias, mas dignas.
Não tenham medo dos palavrões, é isso que eu quero dizer, nem na leitura nem na escrita. São úteis, são bastante expressivos e parte genuína da nossa língua, que ainda por cima até é relativamente inventiva e original no que a palavrões diz respeito, principalmente no que toca a chamar nomes a alguém. Só não abusem!
3 comentários:
Não podia estar mais de acordo. Eu também não sou apologista do uso exagerado. Pessoalmente faz-me confusão, mas bem colocado pode dar uma boa força ao texto e, se achar que faz sentido, também acabo por usar.
Mas até o contexto social dos personagens poderá influenciar o que se diz ou a forma como falam, portanto, muitas vezes existem alternativas que podem ser usadas.
Um palavrão na hora certa torna-se uma palavra perfeita... como todas as outras... o que importa é o timing, a circunstância e o efeito que se quer dar...
Não vamos ser hipócritas, um palavrão bem metido é de outro mundo...
A melhor explicação que existe sobre a virtude dos palavrões está no youtube a partir do minuto 2:30 no vídeo "Nós na Fita - Usos de Palavrão"
https://www.youtube.com/watch?v=VAe1eiMDGzM
E claro que o excesso de foda-se's, putas e cabrões num texto torna uma obra uma merda de obra...
Abraço
Francisco Fernandes
Elsa, exactamente!
Francisco, é isso, o timing importa bastante, ainda não tinha pensado bem nisso.
Esse vídeo está porreiro, e explica bem sim senhor!
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