Sejam bem-vindos ao retomar da primeira versão das crónicas convidadas aqui do sítio. Vi-me confrontado com uma maior dificuldade em arranjar vítimas participantes para a segunda versão, que é ligeiramente mais complicada. Valeu-me o Francisco, também conhecido como asesereis, comentador mais do que assíduo aqui do blog, a quem já queria pedir uma crónica há algum tempo. Aproveitei, e o resultado é o que podem ver a seguir.
Vou ter é que reler o 1984, porque acho que em 15, esta é a quarta crónica convidada em que o livro aparece mencionado! Mas vale a pena, que o livro é bom, e as crónicas também têm sido. Esta não é excepção: assertiva, interessante e muito revelador da forma como o Francisco/asesereis usa a literatura. Para ver o mundo. Quer seja intencional, quer não, é algo que claramente faz, de forma muito mais acentuada do que um leitor normal. E por isso, obrigado.
Agora, sem mais demoras, leiam!
Queria começar por agradecer ao magnânimo Rui Bastos pelo convite que me fez para escrever umas coisinhas que, sendo só palavras, têm sempre o valor de quem as lê e não o valor de quem as escreve, infelizmente para muitos autores.
Esperando que estes pensamentos tenham algum valor, aqui vai:
O Rui desafiou-me da seguinte maneira:
“Então a minha sugestão era falares de dois livros: um que tenhas gostado, de um autor que não gostes, e um que não tenhas gostado, de um autor de que gostes. Ou só um desses casos, ou algo parecido, ou algo mais geral, como por exemplo falares de gostar ou não de tudo o que um autor escreve, ou só porque se gosta ou não do autor.”
Deste modo, e seguindo o desafio de sentimentos contraditório que me foi feito, importa primeiro esclarecer que não existe um único escritor que odeio e que pura e simplesmente não consiga ler aquilo que ele escreveu (Escritor a sério! Não entram aqui nem os aspirantes nem os meros escreventes de contos e bibliografias pornográficas…). O único autor com que não simpatizo muito é Herman Melville. Todavia, só li ainda metade da sua magna obra, Moby Dick. Ou seja, mesmo que toda a enciclopédia relativa à diversidade de baleias, instrumentos de navegação e demais armas dos antigos baleeiros me encham de sono, não posso ainda afirmar que não gosto de nada daquilo que o homem escreveu.
Isto não quer dizer que seja daqueles sujeitos que diz: “Eu gosto de tudo”; o que seria equivalente a dizer que também não gosto de nada.
Não sou assim.
Tenho os meus gostos. Só que, ao contrário de filmes em que pagamos cinco euros para perder “apenas” duas horas de vida com um filme medíocre, com livros paga-se em média 15/20 euros para perdermos muitas horinhas de vida mais. Assim tento ser um tipo selectivo quanto a livros, para poder ganhar horinhas de vida em vez de as perder. Acho que isso me leva a ter cuidado com aquilo que quero ler e tal é o motivo para que o desafio feito pelo Rui se me afigure de alguma extrema dificuldade.
Acabando aqui com o longo intróito, parto então para a exposição do livro que gostei de um escritor a quem reconheço pouco mérito literário:
José Rodrigues dos Santos dispensa apresentações. Todos sabem quem é, muita gente sabe que o homem tem gostos esquisitos quanto ao desenvolvimento pessoal das personagens ao ponto de conjugar mulheres, mamas e sopas de leite no mesmo parágrafo e reticências e mais reticências quanto aos devaneios sexuais do Noronha, Tomás Noronha… reconhecidíssimo herói português do presente século. Reconheço, no entanto, o contributo importantíssimo do JRS quanto à divulgação de informação cuidada. Maior parte dos livros dele são obras de serviço público e enche-me de pena os lobbies políticos que o tentam atacar uma e outra vez.
Importa também reconhecer que, como todos os escritores, o homem tem vindo a melhorar a sua escrita. Só que, ainda que nunca tenha falta de inspiração, como ele próprio diz, não tem o génio de muitos outros escritores, infelizmente…
Portanto, foi com espanto que gostei do livro Fúria Divina depois do tédio que tinha sido ler O Códex 632 e a Fórmula de Deus. Naquele livro o autor chama à atenção para o facto do Islão viver um paradoxo (Nem de propósito Rui) entre aquilo que o coração lhes diz que é certo e a interpretação lógica e sequencial do que resulta do Alcorão. Lendo atentamente este livro, e sendo para mais eu um jurista, percebi com rigor muitos dos problemas que afligem os crentes em Alá. Percebi que Maomé, para além de ser o Profeta (Já devo ter os americanos em cima de mim só por escrever isto…), foi também um líder político e militar. Como tal, Maomé não se deixou prender a nenhuma cruz. Lutou e mandou matar quem se lhe opunha como um líder político e militar por vezes faz. Mal sabia ele da barbárie que os seus futuros sequazes seriam capazes. Acredito hoje que, assim como Karl Marx, se Maomé renascesse amaldiçoaria cada palavra do que escreveu e cada frase que proferiu ao ver o fanatismo de minorias, financiadas pelos wahabitas que por sua vez são financiados por cada um de nós ao enchermos o depósito de combustível do carro…
É meu dever aconselhar o livro Fúria Divina e a restante bibliografia presente na obra assim como é meu conselho ler com olhos de perceber o que está lá escrito. Se tivermos os olhos de um totó, vamos acabar por fechar o livro e continuar a dizer que os árabes são apenas malucos… e portanto não vale a pena lê-lo.
Quanto ao livro que não gostei, do autor que gosto:
1984 é o livro mais arrepiante que alguma vez tive a oportunidade de ler e de não gostar nadinha do que lá vem escrito. George Orwell foi sem dúvida um batalhador da liberdade, mas – como todas as pessoas que já lutaram em algum momento pela liberdade sabem – a luta em nome da liberdade é sempre o lema de proa quando estamos perante uma mudança da ordem e dos poderes vigentes. (Revolução Francesa, 25 de Abril…) Nestas situações, quem luta pela liberdade está sempre a lutar por alguém que deseja o poder e não pela verdadeira liberdade. Orwell apercebeu-se disso mesmo e tratou de dedicar a última parte da sua vida a escrever muitas obras e muitos ensaios políticos; todos de qualidade. Assim escreveu também algo que nos chamasse a atenção para os poderes de um Estado Totalitarista, e não apenas de uma sociedade comunista (Como fez na fábula Quinta dos Animais).
1984 tem o vilão mais poderoso de todos os tempos literários.
O Big Brother ou Grande Irmão, vulgo figura absoluta de um Estado absolutista, é uma figura quase divina dada a sua omnipresença em todos os aspectos da vida dos seus cidadãos. O poder que essa mesma figura tem é tal que, para além de controlar as rotinas, os corpos e os pensamentos dos seus cidadãos, consegue controlar os sentimentos da sua população! Mais!!! O seu poder é tal que até o passado, o presente e o futuro ele controla. Já imaginaram vilão mais poderoso? (Rui, o Seltor cometeu deicídio, é forte, mas o Big Brother também o consegue fazer, de uma maneira bem mais cruel ainda… que ninguém duvide disso.)
Claro está, à vista de todos, que eu não odiei o livro. Pelo contrário, adorei odiar este livro genial de um escritor ainda mais genial por conseguir por em tão poucas páginas aquilo que outros politólogos não conseguem pôr em verdadeiros tratados sobre política.
O problema deste livro é que ainda hoje me dá pesadelos quando vejo o estado do ensino mundial, o consumo de merda cultural na televisão e até no mundo livreiro; quando vejo Putins e Obamas deificados e Snowdens e Bradley Manning condenados por serem corajosos; e cristãos decapitados pelos Soldados do Estado Islâmico e crianças palestinianas islamitas (que não são terroristas) serem presas e torturadas pelas tropas semitas israelitas apenas com o intuito de recolherem informações e de sedimentarem os seus colonatos na Cisjordânia…Tantos aspirantes à figura do Big Brother, tanta facilidade em caminhar para um mundo tão perigoso…
Aconselho vivamente que percam dois ou três dias da vossa vida a ler esta obra-prima; mas aviso já: No final vão odiar saber a lição, o aviso, a ameaça presente… que Orwell nos deixou.
E pronto…
Espero que tenham gostado.
Mais um obrigado ao Rui.
Abraço
E boas leituras
Francisco Barão Fernandes
Sem comentários:
Enviar um comentário