quarta-feira, 17 de abril de 2013

Livros, motivação e o monstro

Há alturas em que andamos mais cansados que outras, é perfeitamente normal, seja pela razão que for. Eu pessoalmente ando exausto, e aquilo que noto é que é complicado arranjar motivação para fazer o que tenho que fazer para o IST, entre relatórios, exercícios, testes, manter a matéria em dia e sei lá mais o quê, e também para tudo o resto.

A vontade de ler diminui um pouco. A vontade de fazer o que quer que seja, na realidade. Já alguma vez sentiram a necessidade de simplesmente se deitarem na vossa cama e dormirem durante 3 dias, só para acertar as contas com Hipnos e Morfeu? De vez em quando sinto-me assim.

Mas tecnicamente a culpa é minha. Ninguém me mandou vir para o curso em que estou, não é verdade? Fui que escolhi enveredar pelas Ciências e, mais tarde, pela Engenharia Biomédica. E também ninguém me mandou preocupar realmente com o que ando a fazer, sou eu que escolho não ser como muitos estudantes universitários, que andam ali na borga, na palhaçada, e a gastar o dinheiro que os pais se calhar já nem têm.

Portanto tecnicamente falado, só me posso culpar a mim pela minha própria exaustão. E como já devem ter percebido, tenho manancial suficiente para me queixar do "estudante universitário comum" durante vários parágrafos, ou não tivesse eu exemplos entre os meus colegas, que vejo todos os dias. Sim, são coisas que me aborrecem, mas enfim, são escolhas, com as quais posso ou não concordar, de forma mais ou menos agressiva...

Aquilo que posso fazer é encontrar motivação. E como é que eu posso fazer isso? A maior parte das vezes não faço a mais pálida ideia. Mas de vez em quando tenho umas iluminações quasi-divinas, como hoje, quando, depois de um dia inteiro a estudar e com uma aula dada a 100 à hora, chego a casa e pego em Saga of the Swamp Thing, do Alan Moore. Ainda antes de ler as palavras ou de olhar propriamente para os desenhos, deixei-me rodear pelo papel antigo e pela forma como os desenhos se destacam.

Não vejo um monstro, ou uma árvore ao pôr-do-sol, apenas noto numa mancha escura que  parece ter sido pintada ontem, directamente na folha. Folheio o livro e é isso que sinto. O livro que tenho nas mãos parece ter saído das mãos dos seus autores há coisa de dias, se tanto. E tem um ar fascinante, tendo em conta aquilo que já sei sobre a história que encerra e sobre o próprio passado da personagem, do autor e da saga. O livro que tenho nas mãos não é um livro, neste momento é o livro.

Podia ter sido outro qualquer, calhou apenas ter sido este, mas enquanto o folheio ao de levo não existem outros livros. Não que este seja particularmente excepcional, o que acho que seja, pois ainda não o sei, mas enquanto olho para ele e me deixo envolver na excitação quase infantil de ter esta obra nas minhas mãos, nada mais importa. Não tenho coisas para fazer nem meio semestre pela frente com pouco ou nenhum descanso, tenho este livro para ler. Não vivo num país à beira do colapso, situado num continente à beira do colapso, apenas mais um num planeta à beira do colapso. Não sei o que é política, economia, matemática, física, arte, biologia, não sei nada. Apenas que tenho este livro para ler.

Um prefácio de Ramsey Campbell, uma introdução do próprio Alan Moore, e a única coisa que tenho na cabeça é o horror na BD, as expectativas para a espectacularidade das próximas páginas, uma história resumida da personagem principal, o monstro/herói Swamp Thing, as implicações que esta história tem no enredo da que se segue, aquilo que o autor diz que vai fazer... Nada mais existe.

É então que fecho o livro e a realidade se abate sobre mim. Doem-me as costas da posição em que estava a ler, e sinto os olhos cansados. Tenho coisas para fazer. Tenho muitas coisas para fazer. O livro é apenas um livro, e ainda que a cara monstruosa, estranhamente humana e completamente fascinante na capa chame por mim, tenho que recusar. Tenho coisas para fazer e um mundo para encarar. Não me apetece, preferia muito mais ler o livro duma ponta à outra, mas aí atrasava o que tenho para fazer e o livro durava pouco.

Deixo-o sossegado e começo a fazer coisas, como já tenho feito com frequência: deixar a leitura de lado em prol de outras coisas que se tornam mais importantes e urgentes. Mas até que ponto é que a leitura é assim tão secundária? Não sei bem. Nunca pensei nela propriamente como algo com uma certa prioridade, é algo que se me afigura tão natural como comer ou ir à casa de banho. Mas quando as coisas se complicam, é invariavelmente a leitura que sofre mais.

Gosto disso? Claro que não. Tem de ser? Às vezes tem. E será que a leitura é assim tão prejudicada? Talvez. Tenho definitivamente menos tempo para ler, e quando tenho tempo, menos paciência. Mas cada momento de leitura é sagrado, cada página virada um pequeno tributo à divindade menosprezada que é o meu tempo livre. A minha mente agradece por cada bocadinho perdido entre as páginas de um livro, e a terrível heresia que era perder tempo de leitura é agora algo que me faz aproveitar mais esse mesmo tempo.


Os livros ajudam-me e apoiam-me, lembram-me dos meus motivos para fazer o que faço e dos objectivos que imponho a mim próprio. Proporcionam-me momentos de prazer pelo simples facto de os ter na mão, por 10 minutos que seja, confortam-me e impedem-me de colapsar. E agora, como nunca antes, percebo porquê: os livros que leio não são livros, são pequenos pedaços da minha alma e da minha mente que vão encaixando uns nos outros e em mim. São a melhor coisa do mundo e isso, aconteça o que acontecer, já ninguém me tira da cabeça.

Sem comentários: