Titulo: O Pequeno Deus Cego
Argumento: David Soares
Ilustração: Pedro Serpa
Sinopse: A vida da pequena Sem-Olhos torna-se uma tragédia quando a mãe determina que ela seja iniciada num sangrento rito tradicional, mas ainda mais doloroso é o grande segredo da família, oculto no passado, que duas personagens misteriosas irão desmascarar. Será que Sem-Olhos é apenas uma criança ou poderá ser um pequeno deus sobre a terra?
Opinião: Se o sapo que figura na primeira imagem deste livro é um começo inofensivo, o sémen lhe cai em cima pouco depois situa-nos de imediato numa história de David Soares.
Se bem que esta não é uma história tão típica de David Soares quanto isso. Ou melhor, não é típica do David Soares a que eu já me habituei, o que escreve páginas atrás de páginas de coisas absolutamente horripilantes e viscerais, horror puro na sua forma mais negra.
Não, este não é esse David Soares. Em O Pequeno Deus Cego, o escritor revela uma forte inclinação para a fábula, sem nunca deixar de lado uma vertente literalmente mais visceral.
Quando olho para o que já li do autor, vejo que há claramente uma evolução, das coisas mais antigas para as mais recentes: de histórias de horror visceral, com tripas, sangue e muita morte estranha por todo o lado, para histórias mais "calminhas", mais focadas no objectivo principal de passar uma certa mensagem.
Tenho de confessar que é com algum receio que assisto a essa evolução. Já se sabe como sou com mensagens que os autores querem passar. Felizmente, David Soares tem-se safado bem, e nas poucas páginas desta BD conta uma história interessante, algo muito parecido com uma fábula, sem dúvida, sobre uma menina sem olhos, que não é bem uma menina, e a sua mãe muito pouco carinhosa e muito pouco... mãe.
Mas antes de se preocuparem com a história, sobre a qual não posso revelar grande coisa além do que vem na sinopse, queria deixar aqui bem expresso a minha admiração pela personagem de Wang, o Castrador. Sim, é um dragão, o que lhe dá logo pontos positivos, do meu ponto de vista, mas além disso é uma personagem profundamente intrigante. Já encontrei personagens que gostei, odiei, venerei, percebi, com as quais simpatizei e de tudo um pouco. Mas é a primeira vez que encontro uma personagem que me deixa perplexo. Intrigado e extremamente curioso. Wang, o Castrador, é um dragão maléfico, filosófico, teatral, ao mesmo tempo todo-poderoso e completamente indefeso.
A ideia com que fiquei foi a de estar a ver uma personagem e a ler as falas de outra. A imagem do grande dragão verde de dentes grandes e olhos negros e encarnados não encaixa com o monólogo teatral e com os maneirismos tão humanos que o dragão faz durante o discurso. Altamente intrigante.
E a/o pequeno Sem-Olhos, a pequena personagem que nasceu, adivinharam, sem olhos, é iniciada na vida feminina com o ritual sangrento dos sapatos minúsculos que deformam os pés das raparigas, pela própria mãe, o maior monstro do livro. Mas ao mesmo tempo é iniciada na sua vida masculina recém-descoberta pelas palavras de um misterioso e sábio velho, que lhe revela a verdade.
O fim não fica propriamente em aberto, mas não fica propriamente fechado. É um final que pode ficar aberto a interpretações, tendo em vista a coragem, o medo, a curiosidade, a luz no meio das trevas e as trevas enquanto luz. E também sobre o destino e a procura da verdade. Estaria o futuro de Sem-Olhos pré-definido como sangrento e brutal por causa do seu começo de vida sangrento e brutal? E tudo isso por causa da sua procura inocente pela verdade que sempre lhe foi negada, tal como a visão? É a falta da primeira que o leva ao dragão mais intrigante que já vi, mas é a falta da segunda que a livra do medo e de uma morte certa.
Uma interessante fábula sobre ver, compreender e a curiosidade enquanto face reversa do medo, O Pequeno Deus Cego agradou-me bastante e deixou-me com vontade de pegar em mais livros do autor, algo que não deverá andar muito longe...
Se bem que esta não é uma história tão típica de David Soares quanto isso. Ou melhor, não é típica do David Soares a que eu já me habituei, o que escreve páginas atrás de páginas de coisas absolutamente horripilantes e viscerais, horror puro na sua forma mais negra.
Não, este não é esse David Soares. Em O Pequeno Deus Cego, o escritor revela uma forte inclinação para a fábula, sem nunca deixar de lado uma vertente literalmente mais visceral.
Quando olho para o que já li do autor, vejo que há claramente uma evolução, das coisas mais antigas para as mais recentes: de histórias de horror visceral, com tripas, sangue e muita morte estranha por todo o lado, para histórias mais "calminhas", mais focadas no objectivo principal de passar uma certa mensagem.
Tenho de confessar que é com algum receio que assisto a essa evolução. Já se sabe como sou com mensagens que os autores querem passar. Felizmente, David Soares tem-se safado bem, e nas poucas páginas desta BD conta uma história interessante, algo muito parecido com uma fábula, sem dúvida, sobre uma menina sem olhos, que não é bem uma menina, e a sua mãe muito pouco carinhosa e muito pouco... mãe.
Mas antes de se preocuparem com a história, sobre a qual não posso revelar grande coisa além do que vem na sinopse, queria deixar aqui bem expresso a minha admiração pela personagem de Wang, o Castrador. Sim, é um dragão, o que lhe dá logo pontos positivos, do meu ponto de vista, mas além disso é uma personagem profundamente intrigante. Já encontrei personagens que gostei, odiei, venerei, percebi, com as quais simpatizei e de tudo um pouco. Mas é a primeira vez que encontro uma personagem que me deixa perplexo. Intrigado e extremamente curioso. Wang, o Castrador, é um dragão maléfico, filosófico, teatral, ao mesmo tempo todo-poderoso e completamente indefeso.
A ideia com que fiquei foi a de estar a ver uma personagem e a ler as falas de outra. A imagem do grande dragão verde de dentes grandes e olhos negros e encarnados não encaixa com o monólogo teatral e com os maneirismos tão humanos que o dragão faz durante o discurso. Altamente intrigante.
E a/o pequeno Sem-Olhos, a pequena personagem que nasceu, adivinharam, sem olhos, é iniciada na vida feminina com o ritual sangrento dos sapatos minúsculos que deformam os pés das raparigas, pela própria mãe, o maior monstro do livro. Mas ao mesmo tempo é iniciada na sua vida masculina recém-descoberta pelas palavras de um misterioso e sábio velho, que lhe revela a verdade.
O fim não fica propriamente em aberto, mas não fica propriamente fechado. É um final que pode ficar aberto a interpretações, tendo em vista a coragem, o medo, a curiosidade, a luz no meio das trevas e as trevas enquanto luz. E também sobre o destino e a procura da verdade. Estaria o futuro de Sem-Olhos pré-definido como sangrento e brutal por causa do seu começo de vida sangrento e brutal? E tudo isso por causa da sua procura inocente pela verdade que sempre lhe foi negada, tal como a visão? É a falta da primeira que o leva ao dragão mais intrigante que já vi, mas é a falta da segunda que a livra do medo e de uma morte certa.
Uma interessante fábula sobre ver, compreender e a curiosidade enquanto face reversa do medo, O Pequeno Deus Cego agradou-me bastante e deixou-me com vontade de pegar em mais livros do autor, algo que não deverá andar muito longe...
2 comentários:
O ano passado li o Homem Corvo também do David Soares e, como este, uma fábula.
Embora não seja o registo que mais aprecio do autor, gostei e achei muito interessante.
Eu pessoalmente ainda não o encontrei tão genial como em "A Conspiração dos Antepassados", nem tão brilhante a escrever horror como em "Os Ossos do Arco-Íris"... Mas tenho boas perspectivas para o "Lisboa Triunfante" e o "Batalha". Esse "Homem Corvo" também parece interessante, assim como o "É de noite que faço as perguntas"...
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