domingo, 14 de julho de 2013

Pragas literárias


É demasiado fácil, não é verdade? Só têm que ler o título para me imaginarem a refilar por causa dos vampiros sensuais, dos anjos sensuais, dos zombies sensuais, dos livros sensuais, e de outras coisas não necessariamente sensuais que por aí andam e que chateiam toda a gente.

É. Demasiado. Fácil. Vampiros que brilham e se tornam vegetarianos, no mesmo mundo em que os "lobisomens" são gajos com alergia a roupa da cintura para cima, e que se podem transformar quando lhes apetece... Aborrecem-me.

A onda de vampiros sensuais que por aí apareceu a seguir tornou-se num autêntico tsunami que entretanto começou a arrastar água de outros mares: anjos de físicos impecáveis armados em Romeu, por exemplo.

Ou zombies com um ligeiro vislumbre de consciência e armados em Romeu. E já nem falo da literatura porno para donas de casa que também anda a despontar que nem cogumelos num canto húmido.

A sério, o que raio é que andam a pensar? Eu sei que isto de seguir modas é a coisa mais comum de sempre, e que raramente dá bom resultado, mas as pessoas que lêem é suposto serem espertas.

Não quero ofender ninguém, a sério que não. Mas caras pessoas que só lêem essas sagas ranhosas sobre o-que-quer-que-seja sensual, claramente direccionadas para raparigas com as hormonas aos saltos, não vos posso dar muito crédito.

E quanto às donas de casa que lêem porno à paisana com o chicote de fora, até me aborrece menos que leiam isso do que histórias com vampiros que brilham ao Sol. Mas se há algo que me chateia é que lancem os vossos ares do mais profundo nojo quando alguém fala de porno, e que se sintam genuinamente ofendidas quando alguém diz que o que estão a ler é porno.

Se tem pessoas nuas a fazerem coisas para maiores de 18 como tema central da história, garanto-vos, mesmo não sendo especialista, que isso é porno. Escondam a capa o que quiserem, mas estão a ler porno. Porno. Porno.

E isto são as pragas mais visíveis hoje em dia... Eu nem sei bem, mas tenho medo de pensar nisso muito para trás no tempo, e ainda mais medo se estivermos a falar de andar para a frente.

No passado não sei bem quais foram as pragas, tirando uma que ainda vigora hoje em dia, que é a de escrever coisas profundas, como poesia ou prosa muito poética, mas sem que faça qualquer sentido. Escrita moderna. Demasiado avançada para que as nossas mentes mortais a captem.

O melhor é não me pôr a pensar muito nisso, ou ainda deparo com alguma moda que só gerou obras de alto calibre, e toda a minha resmunguice vai por água abaixo. Pensemos no futuro.

Tenho, por exemplo, medo que daqui a uns anos, não muitos, a expressão "o livro com o Big Brother" deixe de se referir ao 1984 de George Orwell para se passar a referir a uma novelização qualquer de um desses programas estúpidos, ou algo parecido. Nem sei como é que ainda ninguém se lembrou disso. Vou riscar este parágrafo, para dissuadir as pessoas de o lerem, just in case.

Gostava de vos poder dizer que tenho esperança de no futuro começarem a haver pragas boas. Que escrever histórias de terror vai estar na moda. Que a ficção científica vai estar tão na berra que os fãs hardcore vão deixar de gostar, porque toda a gente gosta.

(Eu talvez esteja a misturar fãs hardcore de FC com indies, mas às vezes parecem ter os mesmos ideias, assim como os fãs hardcore de livros do género Fantástico em geral. Contra mim falo.)

Mas infelizmente não sou uma pessoa com grande fé em quase nada. Este tipo de esperanças está praticamente condenada à partida, para sempre. A boa literatura Fantástica parece pré-destinada a ser uma literatura de nicho. Um nicho que tem vindo a crescer, mas um nicho.

Quer dizer, com tantas sagas juvenis que por aí andam, acredito que mais uns anos e o Fantástico se comece a disseminar. Mas se for a seguir o caminho que está a seguir actualmente... Enfim.

Com tanta coisa dita sem dizer grande coisa, o melhor é calar-me enquanto não digo algum disparate muito grande. Esta é apenas a minha opinião, ligeiramente arrogante, ligeiramente elitista, ligeiramente pessimista, mas quando se é ligeiramente arrogante, ligeiramente elitista e ligeiramente pessimista, não se pode pedir muito mais não é?

Acho que mesmo assim há mais leitores, nada como eu, nem ligeiramente nem extremamente, que acham o mesmo. Pessoalmente digo: "parabéns, estão certos, porque concordam comigo". Em termos racionais digo algo mais: "não estou sozinho, o que significa que não posso estar muito errado, ou que pelo menos tenho companhia na minha palermice!".

Sintam-se à vontade para discordar, preparem-se é para eu refilar de volta.

9 comentários:

Unknown disse...

Eu tento, juro que tento não ser uma "pedante" literária e achar que não há maus livros mas a verdade, verdadinha é que concordo contigo. (o meu "pedante" é o teu "ligeiramente arrogante, ligeiramente elitista", LOL)
E até compreendo algumas pessoas que lêem alguns desses livros e os consideram os seus "guilty pleasures". O que não compreendo é que leiam esses livros e os consideram boa litereatura.

Ana/Jorge/Rafa disse...

Não posso concordar contigo aqui, Rui; contra mim falo, porque também acho muitos desses livros aberrações, mas normalmente só me chateiam casos como a SdE, que os edita em vez de editar aquilo que sempre a caracterizou;

Agora, o simples facto de haver "modas" é-me completamente indiferente porque não as sigo, aparte de alguns "guilty pleasures", mas acho que as pessoas têm a liberdade de ler o que bem lhes apetecer, para isso é que há livros para todos.

É óbvio que não gosto que dêm mais atenção à Stephenie Meyer do que ao Abercrombie, mas se há 500 milhões de pessoas que gostam da primeira e 1000 que gostam do segundo, eu compreendo.

Para além disso, as "modas" deram visibilidade a autores como o Martin ou a Suzanne Collins, com obras excelentes e que eu, pessoalmente, dificilmente iria ler de outra forma.

Para não falar que falas contra ti na crónica, visto que o 1984 há pouco se tornou ele próprio uma moda, aumentando as vendas 700% há uns meses e ganhando um novo fôlego inesperado (thank you, NSA).

Eu nestas cenas até costumo concordar contigo, mas aqui acho mesmo um discurso elitista demais, até porque a generalização nunca ajuda ninguém e há muitas "modas" agradáveis, como há uns anos, o falecimento do Saramago ter posto milhares de pessoas a lerem coisas dele, que de outra forma nunca teria sucedido.

Por outro lado, concordo contigo quando as pessoas que gostam de soft porn literária se põem a julgar outros por gostos mais estranhos, mas também há pessoas que só gostam de Literatura mainstream e não chateiam ninguém (generalização, ver acima) e Oscar Wilde também é literatura erótica (generalização, etc etc).

Resumindo, também não gosto de vampiros brilhantes e afins, mas tal como haverá sempre modas, também haverão sempre coisas com interesse para seguir e não acho mal nenhum em haver obras mais "corriqueiras" para quem goste, Literatura não é para iluminados, é para todos...

Jorge

Anónimo disse...

http://livrosimples.blogspot.pt/2012/12/elitistas-literarios.html

Quem te viu e quem te vê.

Rui Bastos disse...

Isto é um problema de escolha de palavras. Compreendo o que dizes Jorge, mas as modas de que falas e as modas de que eu falo são coisas diferentes.

E eu pessoalmente não sou fã de nenhuma das 2. O 1984 pode-se ter tornado moda, mas já era um livro estabelecido e reconhecido. O Martin e a Collins tornaram-se modas da noite para o dia, e como sabes, ainda não peguei em nenhum, porque o facto de se terem tornado modas me deixa de pé atrás.

Não digo que estas modas sejam necessariamente coisas más: é um facto que Meyer e as sagas porno disfarçadas têm atraído mais gente para leitura nos últimos anos do que a considerada "boa literatura" em décadas e décadas, e isso é algo bom.

E sim, cada um é livre de ler o que quiser e bla bla bla, e como o anónimo a seguir a ti aponta e muito bem, eu próprio escrevi uma crónica que apoia isso e que parece contradizer esta crónica agora.

Mas vamos lá esclarecer as coisas. Eu não quero saber se alguém só lê Meyer, ou se só lê Martin, ou se só lê porno literário (que é diferente da literatura erótica que mencionas), ou seja lá o que for.

A mim o que me interessa, e me preocupa, é que isso se espalhe. O que é que eu quero dizer com isto? É simples. Meyer tornou-se moda, e um sucesso praticamente sem precedentes, e de repente quantos autores surgiram com exactamente a mesma fórmula?

O mesmo se pode dizer de Dan Brown, antes de Meyer, e de 50 shades of grey e até das distopias direccionadas para um público juvenil, agora.

Ou seja, e talvez isto não tenha passado muito bem na minha crónica, o que me aborrece mesmo é que a máquina cada vez mais comercial no negócio dos livros agarre em Meyer e similares e os publique até à exaustão.

E depois com 50 shades of grey e similares. E por aí adiante, enquanto clássicos da FC, por exemplo, continuam completamente desconhecidos por cá. E clássicos da fantasia. E clássicos de uma forma geral. E bons livros contemporâneos.

Eu não quero chegar a uma livraria e ter uma estante cheia de livros sobre vampiros sensuais logo à entrada, seguida de uma estante com romances de cordel sobre sado-masoquismo, seguida de uma estante com esta ou aquela moda, até chegar finalmente às 2 estantes no fim que contemplam o resto da literatura, com uma escolha apenas minimamente diversificada, e escassa. E a maior parte sem ser em português.

Além de que, quantas vezes é que estas modas "tapam" outros livros que também podiam apelar a muito mais gente? Quantos livros e autores não têm poucas vendas porque saíram 2 semanas depois do último livro da mais recente saga de criaturas sensuais, e ninguém sequer deu por eles?

Literatura é de facto para todos, mas estas modas vão levar ao contrário.

E os elitistas de que falo na outra crónica são outra classe, diferente de mim, acho que nisso é possível concordarmos.

Sara disse...

No geral concordo contigo (poesia não é nenhuma praga...). Acho que isto das modas só serve para encher o mercado de lixo e esta dos romances eróticos é abominável pelos valores que transmite e pela forma como retrata a mulher...Isto até não seria um problema, lá está, se as pessoas tivessem senso crítico. Só que a maioria engole tudo sem reflectir...Há que ver ainda que estas modas também estão muito ligadas ao lado psicológico das leitoras, o que pode não ser fácil de perceber para quem está de fora (mas olha que também há gajos a ler as cinquenta sombras...). Claro que também haverão boas obras...Mas como distingui-las? Por outro lado se ler isto faz as pessoas felizes, por que impedi-las? Desde que não me obriguem a ler a mim...

cumps

Rui Bastos disse...

Não me referia a toda a poesia (embora não seja fã do género em si), mas sim de uma grande quantidade de poesia que por aí anda que foi pretty much alguém que escreveu uma coisa qualquer aleatória e disse "isto é poesia".

Poesia de cordel? Poesia por atacado? Não sei que nome lhe dar nem como me explicar melhor, mas a ideia é essa.

De resto, concordo contigo.

Ana/Jorge/Rafa disse...

Concordo com algumas coisas que dizes, embora discorde com outras;

Em relação às cópias, estou de acordo (inclusive também já escrevi sobre isso no Metáfora), mas também sucede o mesmo com grandes autores; quantos livros de Fantasia a copiarem Tolkien existem? E muitos deles com grande visibilidade! E Martin?? Idem idem, aspas aspas, por isso, por aí acho que não tens grande razão.

Por outro lado, em relação à divulgação, concordo, mas só porque o nosso país é pequeno e, como tal, não tem espaço para tudo. Se observarmos um país de outras dimensões/cultura, há espaço para tudo, só connosco é que o mercado tem de ser orientado para aquilo que vende.

Ainda assim, como nos outros países é diferente e temos sempre acesso a essas obras, mesmo sem ser em português, não vejo o problema, visto que eu consigo ter acesso àquilo que gosto e os adeptos das "modas" têm acesso àquilo que eles gostam, a diferença pode ser que eu tenha de fazer encomendas e eles descubram o que gostem numa estante, mas é uma diferença com a qual vivo bem.

Por fim, a Martin aplica-se o mesmo argumento que ao 1984, se é isso que te impede de ler; o homem já era um nome bastante "pesado" (get it?) na Literatura Fantástica antes deste hype todo.

Jorge

Rui Bastos disse...

Quantos desses livros que copiam Tolkien são bons? E dos que copiam Martin?

Uns poucos, concedo. Tal como nestas modas de que temos estado a falar há bons livros, de certeza. Não nego nem rejeito isso. Martin é um exemplo que acredito que por mais moda que tenha sido, seja mesmo muito bom.

E tu já leste Collins e gostaste bastante, acredito que seja bom. Não é por aí.

Também tens razão quando dizes que a culpa é da pequenez do país, mas proporcionalmente eu continuo a ter razão, acho (não sei números oficiais). A quantidade de livros que se vendem dentro das modas é estupidamente superior ao resto.

E sim, continuamos a ter acesso ao que nos apetece, mas esse acesso é mais difícil. E nem digo por mim, que continuo a ler o que bem me apetece quando bem me apetece, encontre ou não facilmente, mas já pensaste em pessoas que acabam por não conhecer King, que podia agradar a muita gente, por exemplo?

Ou Terry Pratchet, por exemplo. Ou tantos outros autores que não têm visibilidade por causa deste desequilíbrio, e que tenho a certeza que caso a tivessem, teriam bastante sucesso.

É óbvio que não é possível dar visibilidade a TODOS os autores e a TODOS os livros, mas acho que se está a cair cada vez mais em dar visibilidade sempre ao mesmo tipo de livros, sempre ao mesmo tipo de autores, pura e simplesmente porque vende e já há poucas editoras interessadas em mais do que vender.

E isso, por mais negócios e empresas que sejam, custa-me a engolir.

Rui Bastos disse...

Ah, e sim, I get it xD É apenas por isso que vou finalmente começar a ler os livros do Martin. Não posso discordar que ele era e é um nome bastante pesado!