E cá estamos de volta a mais uma crónica convidada, desta vez escrita pela minha namorada, cujo nome eu vou agora dizer, e do qual vocês não se vão rir: Júlia Pinheiro. Eu sei, ela sabe, toda a gente sabe. Não, não é essa Júlia Pinheiro, e não, não são familiares, nem os pais são fãs da outra. Coincidência.
Passemos agora à crónica. Tal como o Jorge, que escreveu a do mês passado, a Júlia faz parte do Metáfora de Refúgio, mas ainda é mais louca. Como é óbvio. Eu não me dou com pessoas normais. E além de ser apaixonada por livros, Doctor Who e praticamente tudo o que existe, é uma perigosa Potterhead, com conhecimento enciclopédico sobre aquele universo, e um carinho bastante real relativamente às suas personagens.
Portanto, quando lhe pedi para escrever uma crónica, era óbvio que tinha que meter Harry Potter e companhia. Como o objectivo era que também fosse uma crónica interessante de escrever, sugeri que ela imaginasse o tipo de literatura que as personagens de Rowling leriam. O resultado está aqui e é muito curioso. Daqui a uma semana aparece o resto. Por agora, divirtam-se!
P.S.: mais uma vez fui eu a escolher as imagens, parece que além de não me dar com pessoas normais, só me dou com pessoas preguiçosas.
Para começar garanto desde já que me vou controlar, não fujo muito em divagações, nem me perco na minha própria imaginação. No entanto, não posso negar que esta ideia é genial e que estou bastante entusiasmada, o que puxa à imaginação, não só pelo tema, que sendo feito à minha medida, e por quem foi, não poderia falhar, mas também por poder fazer parte desta iniciativa.
Mas bem, o desafio que me foi proposto foi exactamente pensar em como seria a Literatura no mundo da saga Harry Potter. Ou seja, nós já conhecemos uma boa parte deste mundo mas há imensos pormenores que não nos foram descritos. No fundo não ficámos a conhecer tudo o que havia a conhecer e uma das coisas foi exactamente isso. A maior parte do contacto com hábitos literários mágicos vem das investigações proibidas na zona restrita da biblioteca de Hogwarts, o estudo para as mais diversas disciplinas ou o fascínio por Quidditch do Harry. Mas é pouco. Praticamente nada. Então deixem-me dar um pouco asas à imaginação e divagar um pouco naquilo que sair desta cabeça.
Quase que não somos Muggles!
Já que vamos, não direi comparar, mas pelo menos, analisar par a par mundo mágico e muggle podemos ver um pouco daquilo que nos é comum, que não é tão pouco quanto isso. Durante toda a saga conseguimos encontrar semelhanças daquilo que se passa lá com o que vemos no nosso dia a dia.
O comportamento social que por lá encontramos, desde as brincadeiras de crianças, com o que quer que haja nas proximidades - ok, nós brincamos com carrinhos, eles com vassouras, mas a ideia é a mesma - passando pelas paixões assolapadas de adolescentes - nós esperamos mensagens, olhares, dates, elas são mais directas ao assunto e têm poções de amor, mas, mais uma vez, vai dar tudo ao mesmo! - e a acabar (e até dá um toque bonito à coisa) nas relações entre pessoas, que tão exploradas são ao longo de todos os livros - por vezes até demais - seja nas amizades, nos ódios, nos amores, tudo.
No fundo, se virmos a coisa por um prisma ligeiramente diferente do habitual, poderíamos classificarmo-nos todos dentro de várias raças: brancos, pretos, amarelos, azuis, católicos, ateus, satânicos, muçulmanos, loiros, morenos, ruivos, muggles, feiticeiros... Têm costumes diferentes, maneiras diferentes de fazer as coisas mas de resto não podíamos ser mais iguais.
Não é por isso de admirar que nas ondas mais literárias as coisas não falhem por muito. Há distinções óbvias e que não poderiam nunca ser descuradas, a realidade deles é diferente da nossa em vários aspectos, mas a base é a mesma em ambos os mundos (e noutros, mas é melhor não entrar por aí).
Mas então e livros?
Exactamente! Mas então e livros? Depois deste paleio todo cheguemos ao ponto essencial: como é a literatura do mundo mágico?
Não nos é dado a conhecer muito desse mundo. Temos uma boa quantidade de livros de história, de magia, aquilo que nos é apresentado como os manuais de estudo de Hogwarts (ah, Lockhart, as dores de cabeça que me deste logo no segundo livro), e que acabamos por acompanhar com uma fervor redobrado, ou então isso sou só eu... Para além desses temos as divagações que Hermione nos mostra: a quantidade de referências que Hogwarts - Uma História (Mathilda Bagshot) tem ao longo dos livros chega a ser exasperante. Portanto, como são os hábitos literários no mundo mágico? Para lá da parede da Diagon Alley o que se lê?
Não temos dados oficiais, não é verdade? Num mundo imenso como é o descrito por J.K.Rowling há ainda muitos pontos por definir, no meio de tanta coisa nova que surge não podíamos saber tudo, tudo. Mais a mais o nosso contacto com este mundo é reduzido a uma pessoa e esta ultimamente tem chamamentos de cucos a atender. Outras conversas.
Poderíamos pensar numa simples inversão daquilo que temos por cá: nós fantasiamos com monstros, bruxas, seres estranhos e invisíveis, tanta coisa. Mas para todos os efeitos nós inventamos estas coisas enquanto eles sabem da nossa existência. Têm formação para conhecerem, minimamente, os nossos modos e culturas, embora continuemos a ser um mistério para eles. Pessoas que para montar uma tenda têm de realmente meter mãos à obra, que lavam a loiça com as mãos, e não o conseguem fazer enquanto varrem o chão ou estendem a roupa. Impossível. Magia Negra!
No fundo, se formos a pensar bem, a literatura não há-de ter grandes diferenças, de uma forma muito geral.
Antes que me batam..
Sagas românticas género Twilight, só podem ser veneradas. Vemos que as feiticeiras adolescentes são exactamente como as muggle: loucas! (embora mais perigosas, nós não temos forma de arranjar poções de amor... podemos tentar a velha máxima de “um homem conquista-se pelo estômago” mas pouco mais). Aqui não há muito por onde escapar: há adolescentes histéricas? A Stephanie Meyer trata de por essas hormonas aos saltos então.
Podemos ver por “Os Contos de Beedle, o Bardo” que as histórias infantis mantêm a sua
essência educativa, de transmitir uma moral bonita aos meninos pequeninos para que cresçam melhores pessoas, mostrar-lhes que os caminhos fáceis nem sempre são os melhores, que devemos ser todos amigos, blá blá blá. Já todos lemos disto, sabemos bem qual é a base de todas estas histórias. Os princípios a incutir são os mesmos.
Livros de aventuras: como é que pode haver mundo sem isso? É assim que se dá asas à imaginação de uma criança para explorar e fazer coisas outside the box. Todas as crianças / adolescentes sonham com fazer coisas destemidas, viver aventuras, descobrir coisas. Isso é inerente à condição curiosa do ser humano. Por isso, mágicos ou não, livros de aventuras nunca poderão faltar (e eu agradeço).
Na banda desenhada tenho um dilema: imagens sossegadas para eles não são muito divertidas, estão habituados a fotografias móveis, pequenos vídeos, digamos, e nas BDs não me parece que fosse muito diferente. Em vez das nossas Mafaldas e Tintins sossegados, víamo-los a viver as suas aventuras em pedacinhos de vídeo, gifs praticamente. Eu neste caso acho uma pena. Eu sou fã incorrigível de banda desenhada desde pequena e não gostaria de a ver alterada desta forma. Talvez esteja a ser um pouco purista a mais, mas não me tirem as minhas BDs. Elas são tão perfeitinhas como estão!
Agora, ponto importante: O Fantástico. Aqui sim podemos dar asas à imaginação (a mim pelo menos apetece-me). O mundo mágico é muito mais rico em criaturas do que o nosso. Aqui temos medo de baratas, lá têm medo de dragões. É ligeiramente diferente. Aqui as crianças metem dentes debaixo da almofada à espera que uma fada os troque por qualquer coisa mais útil, lá têm fadas a combinar com os cortinados, para decorar a sala.
Temos uma imensa obra de fantástico mas como seria se o fantástico fosse, no fundo, real? É esse o mundo deles. Basicamente, nós hoje temos romances do estilo: uma família muito bonita onde de repente há uma tragédia qualquer, a família desmorona-se por uns tempos e no fim fica tudo bem. Chato? É tudo muito natural e aborrecido? Agora metam-lhe lobisomens (a sério)! Vampiros (a sério)! Dragões! Fénixes! “Ah e tal, ia muito bem uma moça montada no seu dragão para casa quando recebeu um bilhete, por meio do vampiro da família, a dizer que o namorado tinha acabado com ela. Chega a casa deita-se no seu quarto a chorar copiosamente, com o desgosto, enquanto a sua fénix pousa a seu lado e encosta a sua cabeça à da dona.” Não sei quando ao restante universo mas isto é super interessante. Tem um dragão. Um vampiro. Uma fénix. Tudo isto é possível, numa história completamente banal. Nem sei o que ainda faço neste mundo. Este outro é tão mais engraçado.
É claro que tem de haver alterações de escrita, de cenários, mas embora a diversidade possa ser maior em mundo mágico também a temos por cá. E uma boa parte do encanto da literatura é exactamente ver como as mesmas coisas podem ser vistas sob tantos ângulos, pensadas de tanta maneira. Aqui este ponto é levado a um ponto mais extremista, mas eu só vejo vantagens nisso.
(Continua)