Autores: Rogério Ribeiro, Safaa Dib, Luís Filipe Silva, João Henrique Pinto, David Soares, João Seixas, António de Macedo, Rhys Hughes, José Manuel Lopes, Fernando Ribeiro, Yves Robert, Vasco Curado, João Ventura, João Barreiros
Tradutor: João Henrique Pinto (para o conto do Rhys Hughes)
Opinião: Se já viram este livro, já sabem que tem um aspecto gigante e apetecível. O grupo de autores aqui reunido é excepcional, e o tema é fantástico: contos lovecraftianos em Lisboa. Andava eu apenas a recolher autógrafos neste bisonte, que nem é meu, durante o Fórum Fantástico, quando tanto o Rogério Ribeiro como o Luís Filipe Silva me impingiram a leitura dos contos deles.
Como raramente recuso um desafio, ainda por cima um que envolvia criticar os dois mentores da Oficina de Escrita, parti para a leitura! Ou melhor dizendo, parti para a leitura depois de muito admirar o livro, porque esta é uma edição da época áurea da Saída de Emergência, com ilustrações fantásticas, uma boa capa, uma excelente organização, enfim, de deixar água na boca.
Depois disso, sim, comecei a ler. E nada melhor para abrir o apetite do que O Primogénito, do Rogério Ribeiro. Vocês nem imaginam o quanto esfreguei as mãos enquanto ria de forma maníaca, quando vi que era este o primeiro conto. Finalmente, a vingança contra o bad cop da Oficina! Muahahahahahah!
Entretanto passou-me e comecei a ler, sossegado. Reparo então que o conto tem deuses, de vários panteões. Estás a ir bem Rogério, penso eu. A escrita é boa, e o começo deixou-me logo curioso. Poucas coisas conseguem ganhar a um concílio de deuses bem feito. No entanto este concílio acaba por não ter grande relevância para o desenvolvimento da história, o que é uma apena. Leva pontos de bónus pelo aparecimento de Nyarlathotep, perturbador e um verdadeiro momento de terror lovecraftiano.
O conto no geral acaba por sofrer de ser demasiado vago, característica que culmina no fim, do mais vago possível. E aqui o defeito é por causa de um meio-termo: o conto devia ter sido mais longo, para ter mais explicações para a quantidade enorme de elementos que apresenta, ou mais curto, para deixar o leitor completamente às escuras e com medo de apagar a luz. Não deixa de ser um bom conto, e se eu estava à espera de vingança, tive azar!
A seguir vem O Vale de Sombras, da Safaa Dib que, confesso, não sabia que escrevia. É uma história interessante, mas com um princípio discreto e que descamba rapidamente. A intriga não é muito consistente, e o conto obriga-nos a passar muito tempo com uma série de personagens que depois praticamente não têm relevância para a história.
Para piorar ainda vem um final risível, com revelações sobre uma das personagens que não fazem muito sentido e que são mal feitas. Salva-se a escrita, que é boa, especialmente nas descrições, apesar dos erros e das gralhas que fazem parecer que o texto nem foi revisto, um mal que também afecta alguns dos outros contos...
Depois vem Aquele que repousa na eternidade, do Luís Filipe Silva, e o meu riso maníaco decide regressar. Desapontado por não ter grande coisa por onde chatear o Rogério pelo seu conto, aparece-me um do outro mentor da Oficina de Escrita. Só que quer dizer... Isto não é um conto, é uma autêntica novela! Tem mais de oitenta páginas!
Mas não faz mal, eu já sei que gosto da escrita dele. Infelizmente, e embora aqui esteja bem, não está com aquela qualidade deslumbrante que encontrei no Terrarium, e o enredo desenrola-se muito, muito lentamente. Ainda na última sessão da Oficina, no fim de semana que passou, eu comentei como as histórias lovecraftianas têm que ser lentas e intensas e ligeiramente sufocantes logo desde o início, mas esta novela arrasta-se demasiado. E é uma pena, porque tem momentos brilhantes, como a revelação do nome das personagens - não digo mais que isso - e a utilização do Necronomicon, por exemplo.
As sequências oníricas são das mais interessantes, muito bem feitas, mesmo, e não posso deixar de mencionar a quantidade de sangue acima da média ao longo destas oitenta páginas. E eu é que sou o sanguinário! Mas depois uma das linhas narrativas, nomeadamente a que decorre no passado mais distante, demora demasiado a fazer sentido, ou melhor, a cumprir o seu propósito. Talvez tenha sido culpa da extensão exagerada da história, mas senti-o mais marcadamente com essa parte do que com as outras.
Outra coisa que podia estar melhor são as ligações entre as várias linhas narrativas, que são tudo menos óbvias. O estilo lovecraftiano já é denso o suficiente, a adição dessas ligações simbólicas (ou não) só pode acontecer de forma mais explícita do que aquilo que o Luís fez. No fim, o "conto" fica um pouco aquém, mas talvez as expectativas de quem leu o Terrarium sejam vagamente injustas, porque a verdade é que gostei bastante de acompanhar a história e fiquei fascinado com alguns dos momentos!
O conto seguinte é Um dia no cárcere, de João Henrique Pinto, curto e intenso, com um bom começo a uma ilustração no mínimo perturbadora. A descrição dos vários métodos de tortura faz impressão a qualquer pessoa, e há um bom aproveitamento de Hitler e dos nazis e das suas ilusões causadas por histórias dos Great Old Ones de Lovecraft.
No entanto o conto divaga um bocado e perde o interessante. Utiliza bem a cidade, é verdade, talvez a melhor utilização até este ponto, e a escrita não é má, mas a história acaba por ser demasiado... meh.
A ideia geral até aqui é a de uma antologia com potencial e uma qualidade acima da média, mas que se mantiver exactamente o mesmo registo, vai ficar muito aquém. No entanto, tenho confiança!
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