sexta-feira, 1 de maio de 2015

Insonho, Durma Bem


Autores: Carlos Silva, Valentina Silva Ferreira, Vítor Frazão, André Pereira, Francisco J.V. Fernandes, Ana Luiz, Miguel Raimundo, Inês Montenegro, João Rogaciano


Opinião: Desde que esta antologia foi anunciada que andava curioso. A apresentação, no Fórum Fantástico do ano passado, foi um (bom) bocado demorada demais, mas a conversa aguçou-me o apetite. Lá comprei e fiquei bastante satisfeito a vários níveis.

A qualidade de cada conto, de forma individual, varia entre o medíocre e o muito bom. É normal. A qualidade geral da antologia é boa. Podia estar melhor, mas já ficou algo bastante impressionante. Em termos da edição física, então, upa upa. Uma capa excepcional, um cuidado extremo na apresentação interior, uma página preta com biografia e foto deturpada (isto era escusado) do autor antes de cada conto, seguida pela primeira página do conto, também ela preta.

Por aí, impecável. A premissa, essa, também é fantástica, embora eu ache um pouco estranho que seja preciso uma editora brasileira para publicar um livro com autores portugueses sobre folclore português. Mas falemos dos contos!

O primeiro é Ao Meio Dia, de Carlos Silva e ensinou-me o que é um carago. Não, não vou revelar, leiam. O conto é bem porreiro, esepcialmente tendo em conta a forma como conta uma boa história, com uma escrita tão boa, sendo tão curto

De seguida aparece Duelo de Lendas, de Valentina Silva Ferreira, que foi também a organizadora da antologia (parabéns!), e que teve a gentileza de me assinar o conto dela (obrigado!). Infelizmente não gostei muito do conto, que retrata um duelo de cavalheiros entre três seres lendários cuja tarefa é induzir/controlar o sono. A ideia é razoável, a escrita é boa, a execução é meh. E o final? O final é terrível, já para não falar do quão desnecessárias são as notas de rodapé que foram incluídas, que apenas conseguem distrair o leitor.

Em Na Escuridão, de Vítor Frazão, encontrei mais um conto de que não gostei, mas neste caso ainda pior. A escrita é razoável, mas a linguagem oscila muito para começar. A história é fraca, quase não existe, e tenta retratar a vida amaldiçoada de uma rapariga que, enquanto personagem, é incoerente: ora quer matar pessoas ora as quer salvar.

A Voz de Lisboa, de André Pereira, pega na figura do Adamastor e dispara por ali fora, o que lhe deu logo pontos bónus. O ambiente também é dos melhores do livro, a escrita é bom, e o único defeito que tenho a apontar é que a voz do protagonista não é grande coisa, talvez um pouco demasiado mecânica para o meu gosto.

O conto que aparece é seguir é estranho como o caraças. A noite em que o bicho-papão encontrou Kafka no cimo de um telhado, escrito por Francisco J.V. Fernandes. É um conto com um título enorme, que revelou uma boa escrita e um tom mais reflexivo de que não costumo gostar, mas aqui me pareceu funcionar bem. Infelizmente, há uns momentos de monólogo que são um completo desperdício de "tempo de antena", e a história que começa bem, desenvolve mal e acaba muito, mas muito meh.

Sant'Iroto, de Ana Luiz foi uma das surpresas, pois revelou-se como o conto com a melhor escrita e com a melhor história, na minha opinião, como é óbvio. As personagens estão bem construídas, assim como tudo nesta história, que funciona às mil maravilhas.

Para compensar essas coisas, existem coisas como Por sete encruzilhadas, por sete vilas acasteladas, de Miguel Raimundo, com a escrita a oscilar entre excelente e muito fraco. A inconsistência do conto estraga por completo algum interesse que pudesse existir na história, que é razoavelmente interessante.

Depois vem Ao Sexto Dia, Inês Montenegro, que é um bocado estranho, mas interessante, com uma das histórias mais bem construídas, ou pelo menos mais bem assente, com fundações mais sólidas.

Mesmo a terminar aparece o infeliz Sangue, Suor e... Unhas, de João Rogaciano, que até costuma escreve umas coisas porreiras, mas que aqui se espalhou ao comprido. A escrita não é má, mas a história é francamente idiota, especialmente depois das doses massivas de tell que há mais para o fim. É que a premissa em si nem é má de todo, mas a forma como isso é explicado... Huuum...

Para terem uma noção, fiquem aqui com um pedaço de diálogo deste último conto: "Ouviu aquilo, padre?! Provinha da torre! Abrigue-se, pois desconheço se o atirador nos tinha como alvo.". Sim, diálogo real entre as personagens. Enfim, torna-se triste. e este conto em particular tinha potencial, eu tinha expectativas, e nem uma coisa nem outra.... Enfim.

Ou seja, no fim disto tudo parece que refilei demasiado para considerar isto um livro bom, mas a verdade não é essa. Isso sou eu a ser o picuinhas do costume. O que se passa é que o livro tem falhas, podia ser melhor, mas já é bastante bom, sem grandes problemas! Os meus parabéns a todos os envolvidos!

8 comentários:

Vitor Frazão disse...

Salvar? o.O Ela não quer salvar ninguém. Sente-se um pouco culpada, mas ela quer é vingar-se da moura e é por isso que continua a levar putos para o sacrifício.

Rui Bastos disse...

Isso sabe-se no fim, de forma demasiado tell para o meu gosto. Durante o conto ela age de forma extremamente inconsistente...

Vitor Frazão disse...

Diz-me que não gostaste, que tem muito tell e que o final é previsível, tudo bem, agora não me venhas falar que ela queria salvar quem quer que fosse.

Rui Bastos disse...

"- Estou farta! - gritou, caindo de joelhos. As lágrimas que libertou não eram de tristeza, mas de frustração e culpa. - Ele era um bom miúdo. Ingénuo, mas bom."

"Por que continuava a comprar mais anos, sacrificando jovens belos e ingénuos?"

Dois momentos diferentes em que ela expressa pesar por fazer o que faz. Se ela apenas se quisesse vingar, estava-se a borrifar e nunca teria estas reacções...

Mas uma ressalva: não mencionei isto na opinião, mas gostei da posição dela em relação aos monstros, que coitados, são só uns bichos que fazem o que lhes mandam!

Vitor Frazão disse...

Pensar, frustração, por ser a bitch da moura, mas não os quer salvar, é aí que quero chegar.

"se quisesse vingar, estava-se a borrifar e nunca teria estas reacções..." Sim, porque as pessoas são lineares e 100% racionais acima de tudo não, é? ;)

Mas pronto, tudo bem, já entendi, saio do carrossel. \o


Rui Bastos disse...

Está bem, salvar não é a melhor palavra. Mas ela claramente tem remorsos por lhes fazer aquilo, o que não bate certo com a forma como age o resto do tempo.

Concordo que as pessoas são tudo menos racionais, mas se ela realmente se estivesse a borrifar, como parece estar em vários momentos, por muito pouco racional que fosse, não teria aquelas reacções...

Valentina Silva Ferreira disse...

Obrigada pela opinião, Rui :) Pena não ter gostado do meu conto mas fico contente que tenha apreciado a antologia em geral.

Beijinho.

Rui Bastos disse...

Foi uma pena principalmente o final, que a escrita é agradável :)