sábado, 7 de setembro de 2013

Cuidado com a lombada, camafeu!

Ai que dor...
Falar de livros nem sempre é fácil. Já há uns anos que o faço, e não me parece que o faça com muito mais facilidade do que quando comecei. Claro que os textos evoluíram: acho que posso dizer, sem problemas de consciência nem súbitos aumentos de ego, que agora escrevo opiniões melhores.

Mas lá está, não considero que seja fácil. Apenas estou mais habituado e aprendi a fazê-lo melhor, tanto por aprender com pessoas que o fazem melhor que eu, como por bater com a cabeça nas paredes.

Sinto, no entanto, que há um aspecto da minha experiência enquanto leitor de que falo pouco. Quer dizer, volta e meia menciono alguma coisa, e sou particularmente insistente quando é muito bom ou muito mau, mas enfim.

Falo do objecto físico que é o livro. A edição, a qualidade do papel, a capa, o tamanho... Tudo isto são factores completamente desligados da qualidade do livro que o/a autor/a escreveu; mas são ainda assim factores que pesam na minha experiência de leitura.

Ao ler uma edição antiga, de páginas amareladas e com aspecto de ter sido aberto pela última vez quando ainda tínhamos um rei, tenho uma sensação bastante diferente do que se for ler exactamente o mesmo livro numa edição comercial, toda padronizada.

Da mesma forma se pode dizer que ter um livro na mão e virar-lhe as páginas é extraordinariamente diferente de ler num e-reader. É verdade. São duas experiências completamente diferente.

Até apetece chafurdar!
No caso da edição antiga, eu sei que tenho um maior carinho pelo livro. Pode até não ser tão bom como eu vou dizer que é, mas o facto de o ter lido naquela edição faz com que lhe perdoe alguns defeitos menores.

Não quer isto dizer que se me derem os livros do André Amaral copiados à mão para um pergaminho, eu os vou adorar. Vou continuar a ter pena de não ter uma lareira com falta de lenha por perto, garanto-vos. Já se tivesse lido o Fausto numa edição dessas, talvez nem tivesse dado tanta importância à ligeira confusão que permeia o livro. Numa edição dessas o tom épico estaria muito melhor enquadrado, e eu queria lá saber.

Já quase que consigo ouvir o crepitar dos archotes e as forquilhas a baterem umas nas outras. "És um vendido!" gritam. Calma. Não vai ser por ler uma edição de aspecto antigo, ou uma edição linda e espectacular como a de uma certa epopeia, já agora, que vou adorar o livro. Mas quer queiram quer não, e acho que acontece com toda a gente, estarei mais inclinado a gostar do livro.

É como vender comida com boa apresentação. Se um prato me chega à frente com bom aspecto e a cheirar bem, é quase meio caminho andado para estar rendido. Influencia-me, mas é claro que só depois de saborear é que posso de facto dizer de minha justiça.

E quanto aos e-books? Bem, o que muita gente apregoa, especialmente aqueles que criticam ferozmente tudo o que com e-books esteja relacionado, é que ler num e-reader nem sequer é ler como deve ser. Que se presta menos atenção, é mais fácil dispersar e ler o livro de forma mais superficial, e por aí adiante.

Pois bem, embora não concorde com o que o David Soares diz nesse link, nem com muita coisa que muita gente diz sobre e-books e e-readers, a verdade é que têm razão neste ponto: a experiência de leitura é radicalmente diferente. Agora que tenho lido com alguma regularidade no meu Kobo, digo sem problemas que tenho muita mais dificuldade em concentrar-me quando o faço do que quando tenho um livro nas mãos e lhe folheio as páginas.

No entanto não achei que as minhas leituras tenham sido mais superficiais. Tive momentos em que me dispersei mais e com mais facilidade, isso sim, mas li na mesma com a profundidade do costume.

Aquilo que eu respondo às críticas é que embora tenham alguma razão, e concorde que ler um e-book provavelmente nunca será a mesma coisa que ler um livro, acho que uma grande parte do problema é a falta de hábito. Posso dar um exemplo do que quero dizer, depois de anos e anos a ler praticamente só prosa, quando agarrei em peças de teatro tive que me habituar ao estilo. E mais recentemente o mesmo se passou com as BD's, ainda tive que ler algumas 2 e 3 vezes para aprender a não me focar só nos balõezinhos e a apreciar os pormenores dos desenhos.

Com os livros digitais passa-se o mesmo. Não estamos habituados a ler assim, e até nos habituarmos talvez não seja a melhor forma de agarrar num clássico de escrita difícil, mas não é preciso fugir.

Chego, por fim, à última coisa de que quero falar. Esta crónica acabou por fugir um bocado ao assunto inicial, mas enfim, entusiasmei-me. Aquilo de que eu vinha falar era do cuidado que se tem com os livros. Há quem praticamente só goste dum livro se ele já tiver passado por muitas mãos e tiver todo dobradinho, e há outras pessoas que só ficam felizes se só lerem livros novos.

Eu não sou nem tanto ao mar, nem tanto à terra, mas gosto que os meus livros estejam direitinhos. Vincar a lombada é pecado. Dobrar os cantos das páginas, sacrilégio. Escrever nos livros, heresia. Porquê? Não me perguntem. Gosto de os ter aprumadinhos. Se tiverem uma edição tão pipi que nem apeteça abrir, sou fã de ir em busca de outra, que os livros são para se abrirem, e mais do que uma vez, mas se estiverem tão lassos que os gatos os possam agarrar por uma ponta e levá-los por baixo da porta... Não obrigado.

Estejam à vontade para partilhar a vossa opinião sobre este assunto, de certeza que há por aí leitores de todas as raças: livros, só novos; antiguidades é que é fixe; vamos dobrar a lombada mais um bocadinho para isto ficar mesmo com aspecto; QUEM É QUE TOMOU NOTAS NO MEU LIVRO?!?!; de tudo um pouco. Eu cá distribuo calduços a quem me dá cabo das lombadas. Pelo menos.

4 comentários:

Sara disse...

Cada leitor com a sua mania...Eu gosto de sublinhar, aliás não gosto de ler sem ter um lápis á mão e também escrevo nas margens. Ando sempre com livros na mala, levo-os para a praia...Acho que os livros não são para estar intocáveis como num museu. Livros usados compro sobretudo porque são mais baratos, mas também nutro um certo carinho por eles...Tenho alguns que têm a lombada estragada, outros vinham com as páginas todas coladas...Tive um que se abriu ao meio. Estava a ler e..puff! fiquei com uma metade do livro em cada mão. Não me faz confusão, embora tb goste de livros novos...

Rui Bastos disse...

É como dizes, cada leitor com a sua mania. E conheço alguns que fazem como tu, o que, confesso, me faz alguma impressão. Mas hey, it's a free country, desde que ninguém mexa nos meus nem ninguém te impeça de mexer nos teus :)

Nuno Amado disse...

Eu leio todos os meus livros. Mas os livros de Banda Desenhada são para ler com cuidado, pois quase todos eles são coleccionáveis e valorizam mais que o ouro no mercado paralelo, por isso não empresto livros destes a ninguém. Quem quiser ler, lê em minha casa. E ensino como se deve tirar o livro da estante e como se folheia um livro. No caso da BD ninguém lê um livro meu meu sem lavar e secar as mãos.
Tenho livros que quadruplicaram o valor em 2 meses, isso diz tudo, certo?
Odeio ver pessoas a tirar um livro da estante a puxar o topo da lombada com o dedo... por isso os livros na FNAC têm as lombadas completamente rebentadas na parte superior.
É preciso dar formação aos portugueses de como manusear um livro!
:D

Rui Bastos disse...

Compreendo o que dizes... E nem tinha pensado nisso das BD's, que valorizam e desvalorizam assim à maluca!

Concordo é que se devia criar uma série de workshops, ou um guia informativo sobre como tratar os livros, os seus e os dos outros!