Título: Palmas para o Esquilo
Argumentista: David Soares
Desenhador: Pedro Serpa
Legendagem: Mário Freitas
Opinião: Este é um livro muito estranho. Confesso que tive que o ler 2 ou 3 vezes seguidas. Já conhecia o trabalho conjunto de ambos os autores, em O Pequeno Deus Cego, e a primeira impressão foi a de que este Palmas para o Esquilo é um livro radicalmente diferente desse.
Há pontos em comum, pois como o David Soares disse no lançamento, as suas obras têm vindo a evoluir e a aproximar-se cada vez mais da alegoria. Desse ponto de vista é possível ver claramente as tendências alegóricas de ambos os livros, e a forma visceral como exploram os seus temas.
Mas se O Pequeno Deus Cego se passa numa China feudal, este passa-se nos dias de hoje, em Portugal (ainda que isso não seja especificado, e se possa considerar que ocorre num sítio qualquer). E se o primeiro já impressiona, não só pela escrita de David Soares mas também pelo traço de Pedro Serpa, este ainda causa uma impressão mais forte.
A sensação que tive foi a que tenho ao ver uma curta-metragem sem som a ser comentada pelo realizador. Acho que os desenhos de Pedro Serpa contam perfeitamente uma história por si só, assim como o texto de David Soares nos obriga a pensar, sem mais nada. A junção das duas dá um resultado curioso, em que as duas coisas são facilmente discerníveis, mas dificilmente separáveis.
Ou seja, embora ambas as coisas se aguentem sozinhas, e não precisem uma da outra para terem valor próprio e fazerem o seu trabalho de forma coerente, depois as ver juntas é muito complicado imaginar uma sem a outra.
A história passa-se num asilo, e as personagens loucas são um dos pontos fortes desta BD, de tão bem retratadas que estão. A principal, então, que quase não fala, é bastante expressiva nas suas acções e nas suas memórias. A loucura, ou imaginação, que o assola, tem uma evolução rápida ao longo das páginas, e vê-lo a cair no abismo da sua mente é indescritível.
Só há uma coisa neste livro que não me agradou por aí além, e que não sei se se justifica completamente. O vocabulário usado por David Soares. Eu bem sei que a sua escrita é tipicamente assim, e já estou mais do que habituado a ter um dicionário por perto quando o leio, mas acho que neste caso talvez tenha exagerado.
A sua escrita habitualmente complexa e trabalhada, chega a ser quase incompreensível nalgumas passagens, sem o auxílio de um dicionário a cada 2 palavras. Isso tem um propósito e faz parte do estilo do autor, mas a mim dificultou-me a leitura, e não me deixou envolver tão completamente como podia ter acontecido. É um caso em que acredito que uma escrita mais simples provavelmente tornaria o livro melhor.
Mas fiquei bastante agradado na mesma, especialmente com os desenhos de Pedro Serpa. Nota-se uma evolução, e as suas imagens fortes desenhadas de forma simples são claramente uma imagem de marca, com todo o seu traço a contrastar fortemente com a escrita de David Soares, e a criar um efeito bastante interessante.
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