sábado, 23 de maio de 2015

Adaptações de livros


(o que segue não é uma crónica estruturada nem pensada com antecipação, é uma opinião escrita de rajada e que deixa muito por dizer. prossigam.)

O fascínio em adaptar livros a filmes/séries está em alta. Mais do que nunca, que eu me lembre, essa é claramente uma tendência a seguir e que dá muito, mas muito dinheiro. Porquê? Na minha opinião principalmente por duas razões.

A primeira é que é fácil de aproveitar o sucesso da literatura que agrada às massas, e fazer cinema que agrada às massas, que vai aumentar o público literário e por sua vez aumentar o público cinematográfico e por aí fora. É simples e é óbvio.

A segunda é que há um estilo de escrita relativamente moderno que cada vez se vê mais e que facilita ainda mais as coisas: o estilo cinematográfico. É algo geral e usado cada vez mais por um número cada vez maior de autores. Uma escrita mais simples, com uma acção mais directa e uma estrutura mais episódica e mais próximo do cinema (e no limite, do teatro), com vários actos claramente bem definidos e correspondentes a troços de evolução da história muito bem demarcados.

Isto é bastante diferente da literatura de estrutura complexa a que os autores mais clássicos nos habituaram. Era fácil não existir propriamente um protagonista muito proeminente, nem sequer uma história muito bem definida, algo que pode ser bastante complicado de passar para filme (ou televisão). Aquilo que vemos hoje em dia é exactamente o contrário: o livro tem um protagonista, tem uma história, uma acção, um intervalo temporal, e quase zero de momentos mortos, tudo sempre extremamente bem definido.

É por isso que os livros juvenis, especialmente as distopias, têm sido tão adaptadas. Além de serem moda, e de moverem massas, são também simples. A escrita, o enredo, as personagens, a evolução, a acção... É tudo simples, ou melhor, simplificado, graças à tendência "infantilizadora" do termo juvenil.

Não quero apontar dedos, mas...
Se bem que isto não é propriamente verdade. Ou melhor, não é inteiramente verdade. Aquilo que disse até agora é que é uma extrema simplificação da questão, porque se as coisas realmente são assim, como explicar coisas como Game of Thrones? Aquilo de simples, só mesmo a escrita, que é boa e bastante cinematográfica.

O que se passa é que quando pensamos bem neste assunto, temos que ver os dois lados da questão, as duas pontas do espectro. Existem estas adaptações simples e existem as adaptações gritty, mais negras, mais sujas, mais "realistas" (porque têm mais sangue e consequências terríveis). Essa é na realidade uma tendência curiosamente paralela ao primeiro ponto de vista, e que apenas consigo explicar como uma moda.

Se calhar, até como uma tendência de "levar as coisas a sério". Como os filmes do Batman do Nolan, que também são relevantes para esta discussão porque são, tecnicamente, adaptações de livros. Só que BD's, e não de forma muito directa e linear.

Esses filmes, por muito agradáveis que sejam (particularmente o segundo, graças ao brilhante Joker de Heath Ledger), são excessivamente pesados. E o pior é que esse tom depois foi transferido para o novo filme do Super-Homem e parece mais do que a caminho para o Batman vs Superman. O que é um erro, dos grandes.


*sigh*
Faz sentido que tenham criado uma identidade muito própria e muito diferente do tom brincalhão da Marvel, mas claramente exageraram e arriscam-se a deitar tudo a perder. Um problema que não afligiu Game of Thrones, pelo menos, que funciona tal como está, porque os próprios livros já são assim.


E porque é mais fácil adaptar um romance do que uma BD, por mais contra intuitivo que isso possa parecer. Com aquela tendência simplista de que falei no início, queria dizer exactamente que qualquer que seja a obra, é mais fácil de adaptar hoje em dia do que uma obra qualquer de há umas décadas ou séculos atrás. Mas as BD's continuam a não ser fáceis de adaptar.

Isso acontece, em parte, porque o público já tem uma imagem das personagens e do mundo em que se movimentam. Um mau elenco ou um mau design dos cenários, por exemplo, pode estragar tudo sem grande dificuldade.

"O fato dele ficava melhor se fosse todo de cabedal!", disse ninguém, nunca.
Mas no meio desta conversa toda, fica a dúvida: como adaptar? Há várias formas, como é óbvio. Por exemplo, pode-se optar por tentar capturar a essência e o ambiente, usar as personagens e uma história parecida, mas acabar por criar algo radicalmente diferente do livro. Não é a minha hipótese favorita, mas pode fazer sentido em alguns casos.

Outra hipótese é uma adaptação super-hiper-mega fiel. Raramente é uma boa hipótese, porque um livro e um filme têm uma forma de comunicar extremamente diferente. Pelo menos era assim, antigamente, mas com a tendência cinematográfica de um grande pedaço da escrita actual, essa barreira dilui-se com uma facilidade cada vez maior.

A minha hipótese favorita é pegar no livro, tentar seguir ao máximo, mas fazer as alterações necessárias que a conversão livro -> filme exigem. Como exemplo, dou-vos O Perfume, de Patrick Süskind, um livro excepcional que teve direito a um filme excepcional e que não é 100% fiel pela simples razão de que era impossível. Em vez de meter os pés pelas mãos a tentar pôr tudo no ecrã, fez as concessões que eram precisas para contar a mesma história e transmitir a mesma mensagem, com uma história o mais parecida possível.


Não fazer isto foi o erro de um filme que abomino, Harry Potter e o Cálice de Fogo, baseado num livro agradável, mas que é um filme francamente desagradável, e apenas porque tentou contar tudo! Digamos que falha redondamente.

E para quem é apologista de que o livro é sempre melhor do que o filme, fiquem a saber que não concordo. O filme (ou a série, eu estou-me a esquecer de falar de séries mas é tudo igualmente válido) pode conseguir fazer jus ao livro e até ultrapassá-lo. Veja-se o caso de Precious, que achei consideravelmente superior ao livro.

Eu sei que este texto fica relativamente incompleto, mas ou é isto, ou não fazer mais nada o resto do semestre para escrever um ensaio a divagar sobre o assunto. Em vez disso (e para preservar a minha sanidade mental e currículo académico), digam-me a vossa opinião. Perde-se sempre alguma coisa na adaptação? Ou ganha-se sempre alguma coisa? Têm alguma adaptação favorita? Algumas que vos dê vontade de chorar, chamar nomes às pessoas e atirar o filme para a Fossa das Marianas?

Elucidem-me!

8 comentários:

Jorge Martins disse...

Como disseste, acho que isso varia com cada caso. Por acaso nas distopias YA acho que não é um caso paralelo aos filmes/séries gritty, acho que é a mesma cena, mas pronto, um bocado menos violento por ser para putos, é uma espécie de contraponto mais dark a filmes de animação.

Também acho que as adaptações podem ser melhores ou piores, consoante o caso (por exemplo, acho Hunger Games uma adaptação bem melhor que os livros, pela simples razão que a escrita nos livros está longe de ser impressionante).

Não quer isto dizer que uma adaptação inferior seja terrível, como é o caso do 1984, que é um filme excelente, mas não bate a genialidade do livro.

A minha adaptação favorita é a do Fight Club (está no mesmo patamar do livro) e a do Requiem For a Dream (infinitamente melhor que o livro também, toda a atmosfera do filme é mesmo meu Deus do céu).

Em relação às péssimas, partilho esse ultraje com o 4º Harry Potter e adiciono o Seventh Son, não sei se conheces, mas é uma adaptação de uma saga de Fantasia pouco conhecida, mas bastante fixolas e que é péssima, mas advanced péssima, do género de cerrar os dentes ao longo de 90 minutos de filme.

Jorge

Rui Bastos disse...

Concordo... E tens muita razão quando dizes que "filme pior que livro" não queria dizer "filme mau"!

O Seventh Son é com o Nicolas Cage, não é? Nem quero experimentar...

Célia disse...

A minha opinião é que são meios diferentes de contar uma história e não me chocam muito as alterações desde que façam sentido no filme, por exemplo na trilogia "Lord of the Rings", apesar de querer esquecer os 3 filmes do "Hobbit". Talvez sejam as minhas adaptações favoritas, apesar de achar que nada bate a riqueza e complexidade dos livros.

Também adorei o "Expiação", que adapta o livro homónimo de Ian McEwan. Penso que está ao nível do livro e se tem alterações são mínimas.

Concordo com o comentário do Jorge Martins em relação ao Hunger Games, estou a gostar mais dos filmes do que gostei dos livros.

Rui Bastos disse...

Sim, faz sentido que as alterações aconteçam. O David Soares escreveu há uns tempos um artigo em que explicava muito bem a situação (no meio da verborreia habitual)!

De Hunger Games, nem li, nem vi :p

Anónimo disse...

Nada bate um bom livro.
No caso do Senhor dos Anéis e do Hobbit, a obra de Tolkien foi agraciada por uma magnífica obra cinematográfica que vem completar o filme, nomeadamente nas partes em que é preciso lutar...

Já que referiste as adaptações cinematográficas de super-heróis, vou partilhar algumas coisas que me incomodam:

O Universo Marvel é tosco (deuses nórdicos=aliens?), é puramente infantil e cheio de piadolas (Especialmente as cenas do Hulk) e a única coisa que tem de bom é o facto de se ter criado um Universo de filmes e séries todos interligados.
Sinceramente, depois de ter Marvel Civil War e uns quantos quadradinhos mais ligados à realidade, vejo os filmes dos avengers como acções de marketing...

Sinceramente, prefiro ver os problemas de aceitação de heróis como o de Batman e do Superman do que simplesmente ver miúdos a idolatrarem o Hulk quando ele é apenas um monstro de raiva e destruição.

Os filmes do Batman (Versão Nolan) são filmes que inspiram, ao contrário do que todos querem fazer crer (negro e muito forte...). O Batman não é apenas um super-herói que existe nas sombras para salvar pessoas; existe para inspirar uma cidade e o filme consegue fazer saltar essa ideia tão bem ou melhor do que os quadradinhos. Quem consegue inspirar alguém se lutar apenas com um palhaço que só se ri e não tem piada nenhuma?

Adorei o Homem de Aço, mesmo que os realizadores tenham achado inevitável criar uma linha em que o Superman tenha conhecido a Lois antes de se dar a conhecer ao mundo como Superman e que mata um ser vivo biológico como o Zod. A linha narrativa é questionável, dado que o Superman podia ter enviado o Zod para a Zona Fantasma e tal, mas é uma nova aproximação ao herói e quanto ao facto de Lois o ter conhecido primeiro e ter sido ela a arranjar-lhe um disfarce acho bem melhor... faz lembrar um pouco a série Smallville...
Acho que no filme que está para vir vamos poder ver as consequências desse assassinato, nomeadamente quanto ao peso do interior de Clark Kent. ------- Para além disso, vem um filme baseado numa das melhores obras de sempre dos quadradinhos...


Voltando ao assunto, também li os livros de David Soares e acho que até certo ponto ele tem razão: Existe uma escrita literária e existe uma escrita de guião de cinema.
Claro que ambas têm os seus méritos, mas acho que os autores de livros, com o objectivo de chegar ao maior número de pessoas, têm vindo a copiar muitos artistas simplistas (Digam o que disserem, Bukowski é um autor fraquito, assim como as escritoras recentes de vampiros e como muitos autores americanos que deviam estar a escrever guiões de obras de cinema e de séies televisivas...).
No entanto, é preciso ter cuidado e não esquecer as palavras mais ricas... especialmente aquelas que vêm nos livros mais antigos.
Já Orwell nos dizia que uma forma de controlar a população é reduzir o número de palavras usadas pela populaça.

Abraço!

Francisco Fernandes

Rui Bastos disse...

Francisco,

às vezes um bom filme pode bater um bom livro. Acontece. Não é normal, antes pelo contrário, mas é uma possibilidade. O Perfume é um bom exemplo, ficou ali taco-a-taco com o livro!

As tosquices do Universo Marvel existem por causa da manta retalhos que foi a sua cronologia ao longo das décadas. A de deuses = aliens nem é a que mais me chateia :p Mas porque não? Porque não ter um Universo com este aspecto light, com piadolas e personagens carismáticas, menos ancorada na realidade e mais na realidade dos comics? Não vejo nada de mal nisso, e até gosto. Não origina obras-primas, mas origina excelentes obras de entretenimento puro.

Eu também gostei dos Batman do Nolan, e do mais recente Super-homem não posso opinar, que não vi, mas aquilo às vezes fica excessivamente pesado. É tudo negro, e cinzento, e está sempre a chover, e é tudo horrível. Se queres que te diga, acho estes menos realistas que os da Marvel (e esses já incluem um guaxinim psicopata e uma árvore falante).

No que toca a escrita, concordo contigo!

Anónimo disse...

O Universo Marvel é puramente fantasioso, abraça as origens comics, mas falta-lhe qualquer coisa...
O Iron-Man tem as melhores histórias, mas nada disto é utilizado pelos realizadores: a luta contra o alcóol, a magia (encarnada nos quadradinhos por Mandarim) vs tecnologia (encarnada pelo próprio Stark)...
O Thor é horrível, é pegar num mito e transformá-lo num filhote da teoria dos antigos astronautas...
O Hulk é uma besta verde e basta...
O Capitão América é propaganda americana...
A Viúva Negra é a gostosa de rabo gostoso que sabe fazer uns olhinhos...
Os irmãos Maximoff... ehhh... ninguém os viu chegar nem se lembram deles a sair...
E o outro das setas é uma sombra do Green Arrow...
Os Guardiões da Galáxia estão giros...
A melhor parte do Universo Marvel é o Spider Man dos quadradinhos... que não está no Universo Marvel por enquanto... e os X-Men... que vivem noutro universo cinematográfico...


Mas são gostos.
Talvez o facto de a DC para mim ter melhor personagens que a Marvel (Batman, Superman, Wonder Woman e Flash... mesmo sendo todos poderosos...) também ajude ao facto de não gostar tanto da Marvel...

Abraço

FBF

Rui Bastos disse...

Epah, o Universo Marvel tem problemas, sim, e os filmes não são perfeitos, mas são entertaining e alguns até estão bem feitos. Concordo plenamente com o que dizes do Capitão América, da Viúva Negra e o Hawkeye... De resto, epah, não sejas tão pessimista :p

Independentemente de ser melhor uma abordagem mais próxima dos comics ou da realidade, acho que a Marvel conseguiu concretizar melhor a abordagem deles, do que a DC a deles.