Sabem o que é ter um fim de semana em grande? Eu sei, e de que maneira. Vénias ao Fórum Fantástico deste ano, vénias!
Peço desde já desculpa pelo tamanho deste post, vou tentar que não aborreça. E qualquer semelhança entre mim e uma miúda histérica é pura coincidência, eu não fiquei assim depois de ter MONTANHAS de livros assinados (já lá chego).
Consegui ir os 3 dias, mas não a tudo, infelizmente. Foi mesmo uma pena, porque tive que falhar algumas coisas bastante interessantes, e às quais queria ir. Mas vamos lá. Escusado será dizer que o incansável Rogério Ribeiro estava em todos os painéis e em todas as sessões, a moderar, a discursar e a ser invariavelmente extraordinário, um homem que parece que não se cansa e que demonstra um amor à camisola tão grande que me sinto envergonhado das minhas tentativas de fazer coisas.
Sexta-feira, 15/11/2013
Isto começa logo mal, porque não consegui ir à sessão de apresentação dos Prémios Adamastor do Fantástico, que prometem premiar o Fantástico em Portugal, em várias das suas vertentes, com carácter bianual, e da iniciativa Livros da Utopia, com o objectivo de incentivar a leitura nos mais novos, a escrita, despertar a curiosidade científica, dar a conhecer o Fantástico e mais uma série de coisas que podem ver no site do projecto. Ambas as iniciativas me parecem bastante promissoras e irei segui-las atentamente, sem dúvida!
Das sessões a que fui, achei todas muito boas, em particular as Conversas de Horror, com David Soares, António Monteiro, Pedro Santasmarinas e José Pedro Lopes. O escritor, o académico e os realizadores, reunidos numa conversa semi-informal, marcada pelo tom algo agressivo do David Soares, que não esteve nos seus melhores momentos de argumentação, mas que teve também momentos bastante interessantes, como quando falou da diferença entre horror (nojo, repulsa) e o terror (no sentido de ficar assustado), num diálogo bastante interessante com António Monteiro.
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David Soares, António Monteiro, Pedro Santasmarinas, José Pedro Lopes e Rogério Ribeiro |
Os dois realizadores falaram um pouco das suas curtas de horror exibidas minutos antes, e com as quais concorreram ao projecto ABC's of Death 2. M is for Macho e M is for Mail não são espectaculares, mas têm a vantagem de me terem surpreendido: nunca tinha visto um zombie a fazer uma placagem, nem um espírito vingativo a começar a matança por trincar a genitália da vítima.
A conversa evoluiu bastante bem, com alguma participação do público presente, e permitiu ouvir opiniões como "Portugal tem demasiado Sol" para ter uma tradição de terror e horror, ou que simplesmente não temos muito essa tradição.
Mas antes disto fui a 2 outras sessões: a primeira foi a sessão de videojogos, interessante, com o João Campos e o Ricardo Correia, este último vestido à Tenth Doctor, com sonic screwdiver e tudo (filho da mãe!). Ambos falaram sobre os jogos que andam aí a sair e a surpreender, como a aventura point-and-click de Walking Dead, ou o hilariante Don't Starve e um jogo inesperado em que somos um agente da fronteira e temos que decidir quem passa e quem fica. Ah, e pelos vistos o visual retro está a voltar em força!
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João Campos e Ricardo Correia |
De seguida uma bastante engraçada sobre ilustração fantástica, com a Marta Patalão e o David Sequeira, a primeira nervosa como tudo, o segundo bastante relaxado e engraçado, ambos a mostrarem uma arte muito boa e projectos interessantes, especialmente a Marta Patalão, com o seu futuro webcomic de steampunk.
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David Sequeira, Marta Patalão e Rogério Ribeiro |
Ainda neste dia aproveitei para experimentar a secção de jogos, que tinha um tipo da 1up Gaming Lounge extraordinariamente simpático e com uma barba badass.
Sábado, 16/11/2013
Este dia sim. Valeu a pena que foi uma coisa parva. Começou cedinho com uma sessão de Workshop de Escrita da Trëma, com Ian McDonald, autor de Brasil, River of Gods e outros tantos. Luís Filipe Silva e Rogério Ribeiro estavam nos flancos, mais a ouvir o autor do que outra coisa, sempre a lançar algumas perguntas, mas o desgraçado do homem só precisava de um ligeiro arranque e nunca mais se calava. E dizia coisas interessantes!
Foi uma sessão bem dirigida, com os dois homens da casa a darem bastante espaço ao autor de Brasil para discorrer à vontade sobre escrita, e só foi pena que a audiência diminuída, que contava basicamente com os membros da Oficina de Escrita. Quem não foi é que fica a perder, que não ouviu pérolas como "writing is like a disease", e como é importante fazer perguntas e começar bem novinho. Ou que existem duas fases, antes de se começar a escrever: primeiro pensa-se "eu consigo fazer isto" e depois começa-se a pensar "eu consigo fazer isto melhor" e é aí que começa o descalabro.
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Ian McDonald |
Gostei também da visão bastante saudável do autor sobre plágio/roubar ideias/pedir coisas emprestadas: "we steal stuff all the time", "Oscar Wilde said: talent borrows, genius steals", "we borrow ideas and respond to the same things". Esta última citação deixou-me a pensar em como tudo fazia sentido. É claro que há vagas de livros sobre a mesma coisa, ao mesmo tempo, os autores estão apenas a responder aos mesmos estímulos que os inspiram a fazer coisas parecidas, seja porque motivo for. Não é necessariamente plágio, enfim, essas coisas.
Mas a pouca gente que lá andava permitiu um almoço em conjunto bastante engraçado, com conversa mais pessoal com o autor e convívio entre os membros da Oficina e companhia, o que é sempre agradável. O Ian McDonald demonstrou-se sempre muito simpático e fez-me decidir a procurar mais livros dele, sacana do homem mais o seu humor contagiante!
De seguida foi o lançamento do segundo número da Lusitânia, que já só apanhei no fim, mas o pessoal responsável pelo menos pareceu-me bastante porreiro e aberto a críticas, o que é muito bom.
O painel seguinte é que é daqueles que vale a pena ver e rever. Luís Filipe Silva e António de Macedo juntam-se para falarem da história da FC portuguesa (sim, ela existe!), e do Fantástico lusitano em geral. Macedo começa por falar de um proto-fantástico, pela altura dos séculos XII e XIII, a que chamou maravilhoso medieval. A partir daí foi vir por aí acima, até o Luís Filipe Silva falar de livros de FC, bem portuguesa, e que ninguém sabe que existem, basicamente.
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António de Macedo e Luís Filipe Silva |
O conhecimento destes 2 autores/académicos/eruditos/entusiastas é divinal, e é um autêntico espectáculo ficar a ouvi-los a falar do assunto, ainda que o Rogério Ribeiro lhes vá dando na cabeça por estarem a demorar demasiado tempo. Mas hey, valeu a pena!
A próxima sessão foi a apresentação de Brasil, com Ian McDonald, ainda mais alegre, mais uma vez na ribalta. A sessão incluiu um plane of doom, dobrado pelo autor para obrigar as pessoas a fazer perguntas, o que foi genial!
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Luís Filipe Silva, Ian McDonald e Rogério Ribeiro |
Depois, winepunk, um projecto curioso, que começa com uma antologia (de uma série planeada de 3) que escreve uma história alternativa sobre uma Monarquia do Norte, em que o Vinho do Porto é usado como combustível, e que traz aos holofotes o estilo gótico do Porto. E como não podia deixar de passar, o João Barreiros participa e provou ser o enfant terrible do Fantástico em Portugal, pois pelos vistos andou a enviar mails aos outros autores, à revelia das editoras (Jo Lima e AMP Rodriguez, que tinham a participação especial do Rogério Ribeiro), para lhes moldar os contos!
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Jo Lima, AMP Rodriguez e Rogério Ribeiro |
Para terminar o dia em pleno, autógrafos dos participantes na antologia, e de Ian McDonald, que se mostrou muito simpático e divertido, o que quer dizer que se riu da minha piada sobre o livro dele.
Saldo no final deste dia, além de todas as experiências? Cá fica:
Domingo, 17/11/2013
A primeira sessão do dia, já depois de almoço, foi a Contos Além Fronteiras, com João Ventura, João Rogaciano, João Ramalho Santos e Inês Montenegro, a partilharem as suas experiências a publicarem foram de Portugal.
Surpreendentemente, é mais fácil do que parece. O terceiro João tem contos publicados na Nature, que a revista inclusivamente pagou! A única coisa que fez foi escrever, enviar para lá, ser rejeitado uma data de vezes e ter 3 contos publicados. Eram bons, foram publicados, ponto final, o ele ser português ou não, não influenciou.
E no Brasil normalmente não abrasileiram as coisas! Sempre pensei que sim, confesso, mas pelos vistos limitam-se muitas vezes a trocar algumas palavras, como cave por porão, por não saberem o que é a primeira, de todo. Ou isso ou incluem notas de rodapé.
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João Ventura, João Ramalho Santos, Inês Montenegro, João Rogaciano e Rogério Ribeiro |
Foi uma conversa interessante onde se chegou à conclusão de que lá fora há muito trabalho de editing, com os editores e responsáveis a malharem nos contos que são enviados, dizendo que não gostam ou que não aceitam por este motivo e por aquele, o que permite aos autores melhorarem o texto e tentarem enviar outra vez, uma prática que só agora começa a aparecer por cá, e de forma muito escassa, aparentemente.
Depois a fantástica e já icónica sessão de sugestões, com o João Barreiros, o João Campos e o Artur Coelho, em que se falaram de jogos, livros, filmes, tudo dentro do Fantástico, normalmente mais para a FC. Esta sessão é praticamente dominada por Barreiros, que mesmo assim consegue não eclipsar os outros dois intervenientes, dando-lhes espaços, mas o seu estilo assertivo, ácido e honestamente hilariante é mais do que marcante. O homem parece uma criancinha algo macabra, felicíssimo a mostrar os livros e a falar deste e daquele e a discorrer sobre quanto sangue e entranhas os livros têm. E conhece tudo, é ridículo.
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Artur Coelho, João Barreiros, GLaDOS e João Campos |
No início houve ainda espaço para fazer uma homenagem a alguns dos muitos autores de FC que faleceram ao longo deste último ano, e que parece que alguém anda a fazer alguma razia bastante específica.
O último painel a que fui foi também o mais agressivo. Contou com a presença de Vasco Rosa e Diana Lima, responsáveis pelo projecto Sangue Frio, Nuno Bernardo, do Collider e David Rebordão do recente RPG.
Foi pena a forma como os dois últimos praticamente caíram em cima dos dois primeiros, dois jovens esperançosos e sonhadores, que apenas querem ir para a frente com o seu projecto e fazer algo que os satisfaça e de que possam ter orgulho. O debate ficou interessante, é verdade, mas muito difícil de moderar, com algumas trocas de galhardetes desnecessárias, e atitudes completamente dispensáveis. Só tinha pena do Rogério Ribeiro, que já não sabia bem o que havia de fazer!
E para acabar mesmo o dia em beleza, ainda consegui mais umas coisinhas:
Bem, no geral foi um Fórum Fantástico muito, muito bom, a organização está mais do que de parabéns, especialmente o Rogério Ribeiro que, como já devem ter reparado, é quem anda lá para trás e para a frente, a moderar sessões, a pôr as pessoas na linha, não me canso de dizer isto, e já o tinha achado em anos anteriores, mas o homem faz ali um trabalho excepcional e já tive ocasião, mesmo antes de me vir embora, de lhe dizer o quanto gostei do evento este ano.
Depois há uma coisa que é boa e é má: toda a gente conhece toda praticamente toda a gente, neste meio. Se por um lado isso é mau, porque pode dificultar a entrada de alguém de fora para o "grupinho", por outro lado faz com que as sessões sejam normalmente muito boas sem grande dificuldade, porque a sensação que se tem é a de estarmos todos na sala de estar do Rogério, que está felicíssimo por estar rodeado de amigos e de cromos como ele, e que apenas quer conversar sobre alguns dos assuntos de que mais gosta: o fantástico nas suas várias vertentes, a escrita, a leitura, etc... Por esse lado, é muito bom, e acho que vale muito a pena.
E agora espero que percebam uma coisa. Eu tive livros assinados pelo Luís Filipe Silva, pelo João Barreiros, pelo António de Macedo, pelo João Ventura e pelo Ian McDonald. Entre estes nomes estão alguns dos autores que mais aprecio, portanto compreendem a minha felicidade. Ainda consegui conversar com alguns deles, e são sempre muito simpáticos, o que é extraordinário. E eu ali, a parecer uma adolescente hormonal aos saltos, a pedir autógrafos de um lado para o outro. É que antes de ser espectador, escritor muito amador, ou participante na Oficina de Escrita, sou um fã da maior parte destas pessoas todas, e é uma grande honra e felicidade ter a oportunidade de falar com eles, expressar pessoalmente a minha admiração e ter livros assinados.
Uma experiência sem dúvida a repetir, e que espero que continue com esta qualidade acima da média. A afluência é que esteve de tal maneira que acho que mais ano menos ano a Orlando Ribeiro deixa de ser suficiente!