quarta-feira, 23 de julho de 2014

O Livro de Victor Frankenstein


Autor: Peter Ackroyd
Tradutora: Marta Oliveira


Opinião: Fiquei fã de Peter Ackroyd depois de ler Poe - Uma Vida Abreviada. Só mais recentemente é que descobri que o autor é um biógrafo de renome, muito focado em figuras literárias e eventos histórias de relevo, que conta com uma perspectiva diferente da habitual.

Pelo que conheço de Ackroyd, parece-me que o seu objectivo é "dar a conhecer sem aborrecer", uma máxima que vai de encontro às minhas opiniões pessoais sobre a História e a Cultura: podem ser muita coisa, mas não precisam de ser, nem são, aborrecidas.

O autor consegue isso com uma escrita fluida e natural, muito de acordo com a personagem histórica ou ficcional que retrata. Se no livro de Poe é possível ver alguns piscar de olhos ao estilo de um dos mais brilhantes contistas de sempre, neste O Livro de Victor Frankenstein, ainda que o caso seja diferente por ser ficção, é possível encontrar os ecos do gótico de Mary Shelley.

A forma como Ackroyd conta a sua história, essa, é bastante interessante. Este livro é praticamente um recontar de Frankenstein, mas mais realista. Aparecem personagens como Percy Shelley e a própria Mary Shelley, Lord Byron e Polidori, apresentados como contemporâneos e amigos/conhecidos de Victor Frankenstein, emprestando assim um tom autêntico à narrativa.

Para alguém fã do livro de Shelley, está aqui uma obra capaz de o cativar até à última página, seja pela remodelação da história de Victor Frankenstein e do seu monstro, que quase parece um relato histórico verdadeiro, seja pelo uso consciente e bem feito de um estilo algo antiquado.

Acompanhar as agruras do médico que quer criar vida não é tarefa fácil. Acaba por ser uma viagem intensa, capaz de confrontar tudo o que pensamos sobre ética e religião, usando e abusando de liberdades científicas para expôr as suas ideias e os dilemas que Shelley também apresenta no seu livro.

As personagens também estão bastante vívidas e cheias de reacções exageradas, como era comum na época, especialmente a principal, Victor Frankenstein, como não podia deixar de ser. É possível vê-lo a a atingir vários estados de aceitação, negação, horror e culpa quanto ao seu trabalho, sentimentos igualmente visíveis na criatura, o monstro que é mais vítima do que outra coisa. Muito bom.

Até a edição do livro está um mimo, o que é sempre agradável. Só há um pequeno problema que, enfim, não é assim tão pequeno quanto isso. A tradução. Ou melhor, a tradutora. Vamos lá a ver se nos entendemos: não tenho grandes queixas da tradução em si, parece-me fiel e bem adaptada, mas há pequenos pormenores irritantes que me deixaram, à falta de melhor expressão, lixado da vida.

O pináculo da desgraça acontece quando uma das personagens refere um Mr. Punch, que eu obviamente não fazia a mínima ideia de quem fosse. Uma pequena pesquisa e dois dedos de testa facilmente me deixam perceber que a dita personagem se refere a uma figura tradicional dos espectáculos de marionetas britânicos, um arquétipo de homem violento. Tudo bem. Mas a tradutora, ou quem quer que tenha escrito aquela nota, claramente não é muito esperta, pois diz que Mr. Punch é... uma personagem de um livro de Neil Gaiman e Dave McKean.

Não sei como é que o óbvio anacronismo não lhe saltou à vista, mas sei que ler aquela nota me deixou completamente furioso. É um sinal claro do mais perfeito descuido e idiotice, uma nódoa num livro que é, fora isso, completamente impecável.

Mas pronto, se ignorarmos isso como acabei de dizer, o que temos é um livro fantástico que vale a pena ser lido, e um autor que vou definitivamente perseguir. Sim, sim, não vou acompanhar, vou perseguir. É só encontrar livros dele a jeito, vão ver se não fazem o caminho para minha casa que é um doce... E aconselho-vos a fazerem o mesmo!

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