sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Fondly Fahrenheit


Autor: Alfred Bester

Opinião: Um conto peculiar, este. Já me aconselharam outras obras de Alfred Bester, fazendo comparações com O Conde de Monte Cristo (I, II) de Dumas e tudo, mas este conto tinha o tamanho ideal para experimentar ler o autor.

O que tenho a dizer é que se não fiquei excessivamente impressionado com a escrita do autor, a história é bastante interessante, para além de estar bem contada, e o narrador é peculiar. O que eu adoro narradores peculiares.

Nas minhas próprias histórias, quando tento escrever alguma coisa, muitas vezes acabo por ter um narrador estranho. Ou fala directamente com uma personagem, ou segue o ponto de vista de uma aranha, ou de um rato fantasma canibal, enfim, digamos que gosto de fazer experiências.

Por isso, encontrar aqui um narrador (ou deverei dizer narradores) deste calibre é muito interessante. O conto foi-me aconselhado por isso mesmo e só posso agradecer a recomendação: fiquei fã.

A história é sobre um andróide e o seu dono, que andam fugidos por causa dos instintos violentos do andróide - instintos esses que nem deviam ser possíveis, segundo as directivas básicas de todos os robots, como foi ditado por Asimov.

O narrador é confuso logo ao início, tanto fala na primeira pessoa do singular, como na segunda, como na terceira, e nunca se percebe muito bem se é o dono do andróide, o próprio andróide, ou outra personagem qualquer.

A resposta, digo-vos, é fantástica. Só lendo a história é que podem perceber, e eu não me atrevo a fazer-vos um spoiler tão grande, mas digamos que encontrei aqui uma das melhores ideias que já vi, se estivermos a falar de formas de narração perfeitamente integradas e inseridas na história que é narrada.

Bester fica assim um autor a reler, provavelmente pela primeira recomendação que me fizeram: The Stars My Destination. Se conseguirem arranjar este conto, não hesitem!

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Pyongyang


Autor: Guy Delisle
Tradutor: Claudio R. Martini


Opinião: Quanto mais sei sobre o assunto, mais me parece que vivemos numa ilusão. Primeiro a China, agora a Coreia do Norte, dois países muito falados, mas sobre os quais sabemos pouco. O que apenas demonstra que esta realidade europeia e norte-americana é apenas uma fatia do Mundo em que vivemos, e não tão grande quanto isso.

Conhecemos o lado Ocidental razoavelmente bem, se ignorarmos o facto de não sabermos bem como é a vida na América do Sul e o de ninguém querer saber como ela é em África. Mas a verdade é que se achamos que existe um grande desequilíbrio social na Europa e nos Estados Unidos, estamos enganados.

Ele existe, mas não é grande. Não quando comparado com o que existe no resto do Mundo. Basta pensar no Brasil, uma realidade que nos é mais próxima, com as suas zonas de luxo e as suas favelas. Ou em praticamente qualquer país africano, onde há pessoas com riquezas de um nível absurdo, e pessoas a viver em condições mais do que miseráveis.

E a Ásia não é muito diferente. Ou melhor, a Ásia é bastante diferente. São um mundo mais fechado, mais privado, muitos dos seus habitantes a viverem trancados numa ilusão da qual dificilmente vão sair.

Não quero correr o risco de generalizar demasiado, depois de dois livros sobre o assunto e alguma pesquisa na internet, mas o que vejo é um continente que praticamente se esforça para se isolar do resto do mundo.

Pelo menos é essa a verdade em alguns países asiáticos, em especial nos que ainda sofrem com a ditadura e a opressão desregrada. Como na Coreia do Norte. E nós aqui, no quentinho dos nossos problemas com a troika e com governos cuja missão é passar semanas atrás de semanas a debater "mais 1%! não, menos 2%! não, mais 3 milhões dos pensionistas! não, mais 5!", fazendo passar as novas medidas de mansinho, sem que ninguém dê por elas, não fazemos a mínima ideia do que se passa nesse país governado pela única ditadura comunista existente.

Achamos que sabemos, e rimo-nos daquilo que passa cá para fora, mas não imaginamos os níveis a que tudo chega lá dentro. A missão que Guy Delisle incumbiu a si próprio foi a de contrariar essa ignorância. Tal como em Shenzhen, foi em trabalho para a Coreia do Norte, mais especificamente para a cidade de Pyongyang, e documentou tudo o que lá viu e viveu através da banda desenhada.

É difícil resistir ao humor leve, mas estranhamente acutilante, com que Delisle conta as suas peripécias, desde ser sempre seguido por um tradutor que pouco traduz, até visitar um museu dedicado unicamente a mostrar como o ex-governante é um ser quase todo-o-poderoso e benevolente. Aquilo que se percebe é que além de uma ditadura comunista, a Coreia do Norte vive num estado semi-religioso, em que as divindades são os filhos de uma linhagem de governantes.

Muito bom e muito interessante, este livro consegue ser, acima de tudo, chocante. É uma leitura fácil, e divertida, mas depois de o fecharem e de se lembrarem do que lerem... Pesa um bocado.

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Thor: Renascido (Universo Marvel #8)


Argumento: J. Michael Straczynski
Arte: Olivier Coipel, Mark Morales, Laura Martin, Paul Mounts
Tradução: Filipe Faria


Opinião: Thor e as personagens a ele associadas são das que mais gosto de ver no Universo Marvel. Directamente recortados da mitologia nórdica, acabam sempre por ser personagens um pouco atípicas, se os compararmos com os "comuns" heróis.

E sem esquecer que o Thor é dos heróis mais poderosos de sempre, sendo tecnicamente um deus e oficialmente uma espécie de alien, mas também um dos mais engraçados. A sua forma de falar shakespeariana e a permanente incompreensão das coisas simples que o rodeiam geram momentos muito engraçados, capturados na perfeição nos filmes em que aparece.

Um livro com o Thor sobe logo na minha consideração. Pode até ser uma grande desilusão, mas as expectativas já vão positivas. Dito isto, parti para a leitura sem conhecer o argumentista, algo que é bastante frequente quando pego numa BD, especialmente se for da Marvel ou da DC (são tantos!).

Não fiquei desiludido. Depois de ter acontecido qualquer coisa épica e dramática em histórias anteriores, que envolveram o Thor a sacrificar-se para interromper o ciclo a que os deuses nórdicos estavam sujeitos e que culminava no Ragnarok, o herói encontra-se preso numa espécie de limbo, de onde é de alguma forma resgatado.

Até foi bom ter lido esta história, pois relembrou-me de algo fulcral à identidade deste herói e que, infelizmente, passou ao lado dos recentes filmes da Marvel: o facto de Thor ser um alter-ego ligado a um humano. Bem, é mais complicado do que isto, mas acreditem que é interessante.

O livro tem alguns momentos verdadeiramente impressionantes, como quando Thor reclama um pedaço de terreno para re-erguer Asgard, e lhe dizem que não pode estar nesse terreno, que é propriedade privada: limita-se a pôr toda a cidadela a levitar acima do terreno. Ah! E depois passa a fazer parte da comunidade e é convidado, juntamente com o resto dos asgardianos, para as reuniões de condomínio. Duplo ah!

E sim, o resto dos asgardianos. Parece que o Ragnarok não foi assim tão final quanto isso, pois os asgardianos estão (quase) todos vivos, só que escondidos dentro de humanos que não fazem a mais pálida ideia. O que Thor faz é partir numa demanda emotiva e intensa em busca dos seus amigos.

O reencontro com o Iron Man, já depois da Guerra Civil entre heróis, e deste ter criado um clone do Thor, é dos melhores momentos. Confiante de si próprio, Tony Stark não hesita em enfrentar o seu amigo, que lhe mostra, à marretada, que já não está para brincadeiras. Que se tinha andado a conter, mas que esses dias acabaram. Relâmpagos, marteladas e enxertos de porrada sem dó nem piedade, é isso que Thor promete. E é por isso que Stark se vai embora, com o rabinho entre as pernas.

Durante todos estes acontecimentos, fica ainda bem vincada a luta que Thor tem consigo próprio, em busca da sua identidade. Dialoga com a sua parte humana e consigo próprio, tentando perceber o seu novo papel, agora que está livre das amarras do destino cíclico há tanto tempo traçado para si e para os seus.

Resumindo, é um livro interessante. A arte não me fascinou, mas reconheço que é boa. Tem detalhe, ainda que talvez lhe falte alguma expressividade. Mas é um livro que vale a pena.

sábado, 25 de outubro de 2014

O futuro da ficção?


Já há algum tempo que presto uma atenção meramente superficial às notícias. Apenas o mínimo para estar a par do que se passa por esse mundo fora, mas pouco mais que isso. Depois há todo um foco nas notícias de campos específicos que me interessam particularmente, como a Literatura e a Ciência, como é óbvio, mas até essas... Meh.

No entanto, de vez em quando lá aparece uma ou outra que me desperta sentimentos contraditórios. Como esta, por exemplo, sobre um prémio japonês para ficção científica que abriu submissões para aliens, animais e inteligências artificiais. Com a perspectiva de que já há um grupo a trabalhar nisso. Como, perguntam vocês?

Analisando histórias de um famoso autor, para tentar definir regras que eventualmente permitam a um computador escrever qualquer coisa, sem que tenha sido especificamente programado para isso.

Por um lado, parece-me fascinante. Sinto-me verdadeiramente maravilhado ao ler as palavras de alguém que diz que no espaço de cinco anos, talvez menos, alguém consiga realmente ter algo artificial a exibir um nível autónomo de criatividade. Mas por outro lado não consigo evitar ficar extremamente assustado.

Reparem no que é dito no final do artigo, sobre regras e padrões de escrita. Não duvido que uma máquina consiga, perfeitamente, escrever o próximo romance do Dan Brown, ou do José Rodrigues dos Santos, mas existir alguém a dizê-lo com aquela convicção toda, bem, assusta-me um pouco!

Imaginem um futuro em que em vez de comprarem um livro, enviam as especificações do que querem, e uma máquina, algures, escreve o que vocês querem e ainda faz disso um bom livro? Fantástico, não é?

Não! Perturbador, no mínimo! Não acho que o ser humano seja propriamente especial em nenhum sentido, e aceito um futuro em que as máquinas têm cada vez mais poder, ou melhor, cada vez mais presença ao nosso lado, mas confesso que me custa imaginar uma dessas máquinas com uma imaginação.

Parece estranho, vindo de alguém que consome FC e Fantasia e outras bizarrices à velocidade a que eu o faço, mas é esta a verdade. Assusta-me, de alguma forma, a noção de que até um escritor pode vir a ser substituído por uma máquina.

Será isto o verdadeiro futuro da ficção?

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

A Imagem (Intersecção #2)


Autor: Joel G. Gomes


Opinião: O Joel, meu colega da Oficina de Escrita da Trëma, deu-me o ebook deste seu livro para que eu o lesse antes do lançamento, que é amanhã. E tenho que começar esta opinião por admirar o trabalho dele: é dos autores portugueses com a melhor auto-promoção que já vi!

A capa do primeiro livro era boa, a deste é fantástica. O convite para o lançamento chegou-me pelo correio, sob a forma de um CD com um vídeo, e digo-vos que foi o convite mais original que já recebi! Resumindo, o homem sabe o que faz.

Outra parte que me tem interessado no seu trabalho são os meandros (bueda) meta de tudo o que escreve. Lembram-se de João e Ricardo, os protagonistas autores do primeiro livro? Eles regressam neste, e tanto um, como o outro, têm um perfil no Facebook. E se forem aqui, e aqui, podem ver o Joel a entrevistar as suas personagens.

Não podia pedir mais, eu!

Mas depois o desgraçado ainda tem a lata de escrever um bom livro. A primeira comparação essencial é o Um Cappuccino Vermelho: tenho que dizer que esse é um livro amador, e este um profissional. A escrita, o enredo, as personagens, tudo melhora, tudo tem um ar extremamente... publicável. Bem, menos a confusão, mas de resto... Impecável.

Começa logo bem, embora tenha algumas gralhas, problema que se verifica ao longo de todo o livro, e que se intensifica perto do final. Ignorei ao máximo, tendo em conta que a versão nas minhas mãos é uma espécie de versão beta, mas incomodaram um pouco, por vezes.

Nada que estrague os pontos fortes do Joel, a caracterização inicial das personagens, sempre fantástica, e a forma como consegue manter o leitor preso ao que lê. De tal forma que a quantidade de personagens/pontos de vista na narrativa podia muito facilmente estragar todo o livro, mas não o faz, antes pelo contrário.

É verdade que ainda se estão a apresentar personagens depois de se lerem algumas páginas, o que dá a ideia de existir uma parte introdutória gigante, mas tudo acaba por funcionar da melhor maneira. Tantas personagens e tantos nomes torna-se bastante confuso ao início, mas estão todas tão distintas e bem caracterizadas que não é complicado ultrapassar esse problema.

A partir de certa altura, a história de um grupo de pessoas com poderes estranhos começa a acelerar, até chegar a um ritmo quase insuportável, mas bem balançado, em termos de revelações importantes e/ou chocantes, o que acaba por ser bom, mas perde o efeito por esmorecer rapidamente.

Há algumas falhas, como é óbvio, mas nada muito gritante. Só coisas como uma tipa receber uma pasta cheia de imagens que depois percebe serem frames de um vídeo, que junta num programa edição para o conseguir ver. O problema é que isso é descrito como uma pasta cheia de imagens a preto, e só depois de fazer o vídeo é que se percebe o que se está a passar... Só que o vídeo tem montes de cores e coisas a acontecer, que seriam facilmente identificáveis nos frames! Ou então, já depois do grande clímax, uma personagem nem ter dinheiro para uma bica, e depois acenar com uma nota de cinquenta a um taxista.

Enfim, detalhes. Detalhes que me distraíram da leitura, mas ainda assim detalhes. O maior problema são os poderes que as personagens têm praticamente não terem regras. Pelo menos regras que sejam conhecidas por quem lê. E as personagens ainda assim, sem saberem o que andam a fazer, conseguem sacar, sabe-se lá de que profundo e negro poço de conhecimento escondido, teorias profundas e complicadas sobre esses mesmos poderes.

Isto leva a que cheguem a conclusões mais depressa do que deveriam, ou que tudo eventualmente se resolva com um poder qualquer, ou que existam momentos bizarros como uma personagem saber exactamente o que vai acontecer quando duas outras personagens usarem os seus poderes em conjunto. Passam metade do livro espantadíssimos com aquilo que descobrem ser capazes de fazer, e na outra metade são especialistas? Desculpa lá Joel, mas não me convenceste.

De resto, e tirando as explicações confusas para o enredo confuso, gostei bastante desta leitura. Tem um enredo confuso interessante e muito confuso complexo, e personagens fenomenais. Sim, nunca se percebe muito bem que esquemas é que todos andam a planear, mas não deixa de ser interessante por isso, não é? Bom trabalho Joel!

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Shenzhen - Uma Viagem à China


Autor: Guy Delisle
Tradutor: Claudio R. Martini


Opinião: Como representar um mundo que nos parece estranho, mas que é bem real? Uma sociedade tão diferente da nossa que nem a conseguimos compreender, mesmo depois de estarmos imersos nela durante algum tempo?

A resposta é dada por Guy Delisle neste Shenzhen: com humor. A verdade é que não há melhor forma de expor e criticar uma situação do que com uma sátira bem feita. E no caso da China que Delisle aqui retrata, nem teve que se esforçar muito, pois a sátira criou-se a si própria.

Deixem-me explicar, antes disso, que o meu interesse na China é puramente acidental. Tudo começou com dragões (sou fã incondicional), a Mulan (primeiro filme que fui ver ao cinema) e um profundo desconhecimento daquela cultura, que sempre me pareceu tão rica.

Com o passar do tempo, e o desenvolvimento do meu apetite por aprender línguas novas, caiu-me no colo a oportunidade de aprender chinês e começar a explorar este país e a sua cultura fascinante. Eventualmente chegarei à mitologia, e provavelmente nunca mais de lá saio, mas por agora estou-me a controlar.

Este livro é, portanto, uma consequência natural desse meu interesse. Uma das principais cidades chinesas de negócios, pelo ponto de vista de um ocidental... em BD? Inevitável!

A arte é simples, mas expressiva, e por vezes exagerada, para acentuar alguma situação em particular. A história, essa, é a rainha. Domina por completo cada página, e nem é bem uma história, no sentido em que não há propriamente um enredo, nem um princípio, um meio ou um fim. É uma espécie de diário de um tipo que acha tudo aquilo muito estranho.

E depois de dez minutos a ler este livro, é fácil chegar à conclusão de que a China é de facto um lugar estranho. Pelo menos para os nosso padrões ocidentais. Trabalhadores que dormem abertamente em cima da secretária, formalidades e protocolos que nunca mais acabam, toda uma forma de estar com os outros bastante peculiar, e uma organização das cidades ainda mais peculiar. Nem vou falar das casas de banho.

O resultado é fascinante, ainda que ligeiramente aborrecido e desconexo, em algumas partes. Defeito de ser uma espécie de diário, mas uma falha que podia ter sido facilmente colmatada com mais investimento nas transições duma cena para a outra. No entanto, e apesar disso, no fim é um óptimo livro.

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Marvels (Universo Marvel #7)


Argumento: Steve Darnall, Alex Ross, Kurt Busiek
Arte: Alex Ross
Tradução: José de Freitas


Opinião: Marvels foi dos títulos que mais curiosidade me despertou, na lista inicial desta colecção (que está a ser fantástica, não me arrependo nem um bocadinho de a estar a fazer). A descrição de "momentos chaves do Universo Marvel pelos olhos de um homem comum" é das mais curtas e intrigantes que vi nos últimos tempos.

E o livro oferece isso mesmo: vários momentos importantes, a maior parte deles facilmente reconhecíveis (mas também alguns mais obscuros ou discretos), pelo ponto de vista de um jornalista cujo único poder que tem é o da observação.

Há uma lista no final a detalhar tudo o que aparece, mas é possível ver Galactus a fazer o costume, assim como Namor e o Tocha Humana a lutarem entre si e contra os nazis. Tanta coisa!

A forma como isto é feito ainda é o melhor. A arte é simplesmente fantástica e atípica dos comics, pelo menos dos norte-americanos, com um estilo realista, como se fossem fotografias pintadas, e para as quais Alex Ross teve que andar a incendiar coisas e a usar amigos como cobaias de poses, para conseguir desenhar tudo da melhor forma.

Este aspecto realista dá um toque de verdade às imagens: quando os protagonistas são os heróis, tudo tem um ar de comic, quase de cartoon, por vezes, com expressões faciais exageradas e movimentos impossíveis, mas aqui o ponto de vista é o de um simples jornalista, portanto não soa a falso, antes pelo contrário!

O complemente entre arte e argumento é muito bom, especialmente porque o argumento não se deixa ficar atrás e conta uma das melhores histórias de super-heróis que já li, sem ter qualquer super-herói como protagonista mas sim como personagens mais secundárias que personagens secundárias: fazem parte do background, não do enredo.

E claro que desfolhar Marvels é visitar a versão mais próxima da realidade daquele universo que é o dos super-heróis (da Marvel). Não consegui evitar pensar "isto parece mesmo real... será?", depois de estar imerso na história, e isso é o maior testemunho da força e da qualidade deste livro.

sábado, 18 de outubro de 2014

Estantes Emprestadas [10] - Uma outsider na FC&F portuguesa [2/2]


Segue a segunda parte da crónica da Elsa, que levanta excelentes questões!


(continua)


PARTE 2 | visão de uma outsider

Sabem, não vos contei a minha história da carochinha para me ficarem a conhecer (por mais interessantes que goste de pensar que é a minha pessoa). Foi antes para estabelecer uma analogia entre o que se passou comigo e o que se poderá passar com milhares de potenciais leitores nacionais.

FC & F portuguesa?! Mas isso existe?

Como penso que referi algures lá para trás, nunca tive ninguém que me guiasse nas minhas leituras. OK, alguns amigos emprestavam-me Anne Rice e afins, mas nunca ninguém me tinha falado de Philip K. Dick ou de Ursula LeGuin. Autores nacionais como o Luis Filipe Silva ou o João Barreiros então ainda menos! Aliás, sem ser algumas das apostas da Ed. Presença, dentro do Fantástico, não tinha ouvido falar de nenhum autor nacional que escrevesse fora daquele tipo de registo! Ficção Científica portuguesa simplesmente não existia no meu universo.

Foi preciso entrar para este grupo de escrita a que pertenço e tomar contacto com verdadeiros conhecedores (talvez aficcionados seja uma boa palavra para descrevê-los) para perceber o quão enganada estava. Para começar a conseguir distinguir nomes associados automaticamente a qualidade de escrita. Para perceber que se divulga muito lixo literário (e agora abrangendo um pouco todos os géneros literários) e pouco se aposta em publicar e divulgar os autores nacionais que se dedicam de corpo e alma à FC & F.

No meio é que está a virtude

Não se pense, no entanto, que estou completamente contra a postura dos editores. Não, não se trata disso. São negócios como outros quaisquer e a opção entre ter ou não ter lucro acabará certamente por ter influência na hora da escolha do que se quer publicar. Tudo bem.

Também sou da opinião que tem que haver oferta disponível para todos os gostos. Nem toda a gente gosta de naves espaciais e nem toda a agente gosta de seres mitológicos. Há quem suporte um pouco de ambos mas ainda assim não seja um verdadeiro fã.

Assim sendo, creio que tem que existir uma oferta um pouco mais “leve”, acessível a todos os leitores. Mas também acho que se pode instrui-los para poderem começar a explorar novos caminhos e novas vertentes dentro do Fantástico e da FC.

Reparem que, se não fosse pelo que algumas editoras insistem em publicar e divulgar, eu nunca teria descoberto o Fantástico e a minha verdadeira paixão enquanto leitora e escritora amadora nunca se teria revelado. Bom ou mau, foi pela mão deles que cá cheguei. Até aqui estamos de acordo.

Mas a minha mente curiosa, depois de conhecer um pouco mais todas as dificuldades que encontram não só os escritores, como também os leitores da FC & F no nosso país, não pode deixar de levantar algumas questões e que aqui partilho convosco:

A primeira é porque é que a par dos projectos de “venda segura” não se aposta na tradução de autores de qualidade? Porque é que não os encontramos nas nossas livrarias prontos a ser descobertos na nossa lingua?

A segunda é por que razão estarão os poucos autores nacionais de qualidade confinados a serem sobejamente conhecidos lá fora (estou a pensar por exemplo no Brasil onde este género literário é não só amado como bem trabalhado pelas editoras) e em Portugal nunca se ter ouvido falar deles?

Por que razão estarão os leitores que, como eu, nunca tiveram um ponto de referência influente dentro da FC & F, confinados ao que as editoras optam por publicar? 

Estará quem não tem conhecimentos suficientes para fazer uma compra online numa livraria estrangeira condenado a não evoluir como leitor amante do género?

As respostas a isto, na minha modesta opinião, trariam muitas outras questões a lume, originando algumas “pescadinhas de rabo na boca”, eu sei, mas ainda assim a minha veia de justiceira super-heroína fica aqui aos saltos quando pensa em como temos tanto potencial e as coisas poderiam ser bem diferentes.

Assim sendo, deixo-vos a vós a pensar nelas, na esperança de que os meus devaneios pessoais possam chamar a atenção de potenciais leitores para o que se passa e, quem sabe, despertar-lhes a curiosidade em começar a pesquisar um pouco mais sobre o assunto.

Nota final: aviso à navegação
Não podia acabar a crónica sem aproveitar os meus únicos quinze minutos de fama para deixar um pequeno recado em jeito de desabafo: por favor mudem o conceito das capas de FC já que são elas [e o facto de habitualmente serem HO-RRO-RO-SAS] a verdadeira razão de nunca ter escolhido um livrinho destes para ler.

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Valsa com Bashir


Argumento: Ari Folman
Arte: David Polonsky
Tradução: Pedro Gonzaga


Opinião: Forte, muito forte. Não há outra forma de descrever esta BD. A arte cria uma atmosfera muito intensa que apenas acentua o carácter pesado daquilo que é contado, e que é uma coisa tão simples como um ex-soldado que não se lembra de algumas coisas.

Ari Folman leva-nos assim numa viagem pela vida de um soldado - ele próprio - envolvido na guerra do Líbano. Desejo de se lembrar de um dia fatídico, parte numa busca pelas suas memórias, independentemente do que isso possa significar.

Reencontra velhos amigos e velhos colegas de armas, e conhece algumas pessoas que o ajudam, com relatos do que se passou que permitem reconstruir os horrores daquela guerra e, em particular, do passado de Folman.

O processo é muito interessante, especialmente a fronteira vaga entre sonho, realidade e memória. Tudo sempre pautado por uma arte irrepreensível e que funciona aqui muitíssimo bem. Só é pena que a história se torne confusa, por vezes, especialmente por causa da minha falta de conhecimento relativamente a esta guerra e a toda a política envolvida. Não é propriamente uma falha do livro, mas acho que isso podia estar mais bem explorado e explicado.

É interessante acompanhar a reconstrução do momento, relato a relato, e perceber no fim que tudo estava claramente a afunilar para as últimas páginas, completamente chocantes, embora eu ache que podia ter acabado melhor. Se lerem, rapidamente percebem que foi uma decisão arriscada, e que funciona bem, mas para mim, faltou mais qualquer coisa. É que por um lado, foi um final demasiado brusco, mas por outro não o foi o suficiente. Arriscou, e bem, mas não levou às últimas consequências, algo que podia ser tão simples como acrescentar mais duas páginas ao final, ou ter, digamos, imagens mais gritantemente chocantes.

Mas tirando estes pormenores acho que é um livro e que vale a pena a ler, pela envolvência história (por mais recente que seja este período!) e pela forma como retrata os horrores da guerra e as suas consequências a curto e a longo prazo.

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Demónios (Universo Marvel #6)


Argumento: David Michelinie, Bob Layton
Arte: John Romita Jr., Bob Layton, Ben Sean, Carl Gafford, Carmine Infantino, Bob Sharen, Bob McLeod, Bob Wiacek
Tradução: Filipe Faria


Opinião: É bom, mas não é assim tão bom. Muitas das críticas que encontrei, incluindo a que vem na contracapa, elevam esta história a uma das melhores histórias do Iron Man de todos os tempos, e embora eu não tenha lido histórias suficientes dele para confirmar ou negar essa afirmação, posso sem dúvida dizer que esta história não me pareceu nada de especial.

Mesmo descontando a ingenuidade das histórias mais antigas, e a arte muito típica da altura, o que sobra é uma narrativa que quer confrontar Tony Stark com o que é suposto ser o seu pior inimigo, o alcoolismo, mas que entre tantos vilões e tantos esquemas secundários, a única coisa que consegue é passar a ideia de que o protagonista é completamente incorrigível e só fazia bem em emprestar a armadura a outra pessoa.

A autêntica batalha que trava com Namor é impressionante, e mais à frente consegue mesmo ver-se o desespero do homem quando se começa a aperceber o mal que a bebida lhe faz, especialmente quando isso começa a interferir com as suas intervenções heróicas, mas para uma história chamada Demon in a Bottle, estava à espera de algo muito mais agressivo e cru.

Queria ver o Iron Man completamente destruído pela bebida, um Tony Stark furioso e exaltado e um Iron Man completamente perdido. Queria ver um super-herói com um problema real e sério de alcoolismo. Mas não é isso que é retratado.

Não é que a leitura tenha sido má, porque não foi. Mas deixou um sabor amargo. É uma história com potencial para enfrentar problemas reais, o que até fez, de certa forma, mas que se ficou por uma intervenção demasiado superficial, na minha opinião.

Aliás, o grande momento de luta contra a bebida surge nas últimas cinco páginas. De um livro com praticamente duzentas páginas. É o que eu digo: nada mau, mas podia ter sido bem, mas bem melhor!

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

X-Infernus


Argumento: C.B.Cebulski, Craig Kyle, Chris Yost, Jeph York
Arte: David Aja, Frank D'Armata, Dave Sharpe, Niko Henrichon, David Yardin, John Rauch, Giuseppe Camuncoli, Jesse Delperdang, Marte Gracia, Rodolfo Muraguchi, David Finch, Danny Miki, Jason Keith, Steve Firchow


Opinião: Tenho acompanhado com interesse a história de Magik/Magia na revista mensal dos X-Men, que começou a sair por cá este ano. Foi uma sorte encontrar este livro ao preço da chuva, por estar usado!

Confesso que tinha algumas expectativas irrealistas. A personagem é interessante, e a faceta mística da Marvel também, assim como é misteriosa e diferente daquilo que é o universo de super-heróis do costume. Ver isso misturado com os X-Men, o meu grupo favorito, bem, a coisa prometia.

Infelizmente, e embora o livro tenha bons momentos, as expectativas caem por terra por causa do carácter fragmentado da história, que não é bem uma história mas sim um conjunto de pequenas histórias que tentam contar uma história mais geral, com princípio meio e fim.

Sim, todos os momentos em que Magik aparece na sua forma demoníaco são fantásticos, e as reviravoltas  mantiveram-me interessado, como a intensa carga emocional, mas ficou a faltar qualquer coisa. Uma história mais coerente e mais focada, talvez.

A busca pelos fragmentos da sua alma, enfrentando demónios e seres poderosos, não desaponta, mas soa estranha, por não saber muito bem os detalhes e por não conhecer bem o suficiente todas as personagens. Acabei por me interessar muito mais na relação de Magik com o seu irmão, Colossus, do que nessa demanda que devia ser o aspecto principal do livro.

Pelo menos a arte não desaponta, durante a maior parte do tempo. Uma das histórias tem até uma arte muito boa, portanto não me queixo. Apenas gostava, lá está, que tudo fizesse mais sentido e isto fosse realmente um livro com princípio, meio e fim, e não uma espécie de antologia...

sábado, 11 de outubro de 2014

Estantes Emprestadas [10] - Uma outsider na FC&F portuguesa [1/2]


A crónica deste mês foi escrita pela Elsa Cruz, uma amiga que conheci como colega da Oficina de Escrita de Trëma (e não vai ser a única a escrever para esta rubrica, os outros colegas ficam já avisados!). Mais velha que eu uns bons anos alguns poucos anos, foi uma das pessoas que me mostrou como a diversidade de géneros é importante, e como pessoas que escrevem coisas lamechas podem perfeitamente escrever coisas a tender para o sanguinário.

Ou seja, a Elsa é uma pessoa que admiro. E não só por ser uma das encarnações da Super-Mulher que conheço, a aturar filhas, marido, a ir ao ginásio, a trabalhar, a escrever, a ter vida social, enfim!, mas também porque desafia estereótipos e se está pouco borrifando para "regras" de leitura e escrita: lê o que lhe apetece, escreve o que lhe apetece.

E escreve bem. Como vão poder ver neste post e no do próximo Sábado. O que lhe pedi foi para falar um pouco da sua experiência ao contactar com este nicho que é a FC&F, especialmente a portuguesa. Não podia ter ficado mais satisfeito com o resultado, e acho que vocês também não. Obrigado, Elsa!


Foi com prazer que aceitei o desafio do Rui, que me pediu para escrever uma crónica para o seu blog. Sendo meu colega do grupo de escrita criativa a que pertencemos, conhece já um pouco da minha dificuldade em escrever qualquer coisa curta, portanto, ficou por sua conta e risco a possibilidade de vir a tornar uma crónica numa tese de mestrado.

Para além disso, o tema que me foi proposto - falar sobre a visão de uma outsider sobre o panorama da FC & F em Portugal - é um pouco mais complexo do que possa parecer à primeira vista.

Ainda assim, acho que não deixa de ser importante haver alguém que cresceu fora deste universo de fãs deste género e tem uma visão diferente do que são e/ou poderiam ser as coisas, por isso cá vai.


PARTE 1 | era uma vez uma criança que lia


Ainda o mundo era uma bola de fogo...

Leio desde que me lembro. Talvez os meus olhos já lessem antes mas de formas diferentes, quando devorava livros “de quadradinhos” sem conseguir ler os diálogos no balões, mas o apelo a voltar as páginas e a descobrir outras realidades sempre foi mais forte do que eu.

Numa casa onde se compravam livros como se fossem outras quaisquer peças de bric à brac, ler era um fenómeno estranho. Tão estranho como eu ser fascinada por cavaleiros medievais, fadas, duendes, elfos ou unicórnios.

Fui crescendo e o meu percurso enquanto leitora levou-me a fazer viagens incontáveis pelo mundo dos policiais, pelos romances delicodoces, pelos romances menos delicodoces, pela ficcção história e foi precisamente devido à minha paixão pelo que se escreve acerca do Rei Artur e dos Cavaleiros da Távola Redonda que dei por mim de novo embrenhada no Reino da Fantasia.

Calma, não caí num buraco como a Alice. Só fui escorregando devagarinho para dentro deste género, onde acabava sempre por voltar sempre que me desviava para outro lado qualquer. Até que houve um dia em que decidi que queria lá ficar e explorar o lugar um pouquinho mais a sério.

...quando entrei no Reino da Fantasia

Como autodidacta que tenho a mania que sou em tudo o que me interessa, comecei a ler mais e mais dentro do género. Alternei maioritariamente dentro da Fantasia em universos medievais, do Paranormal e do Realismo Mágico (generalizando um pouco a coisa). Casos houve em que comprei séries de qualidade duvidosa só para encontrar padrões de escrita e perceber se afinal gostava daquilo ou não. Até que um dia pensei «caramba, até eu consigo fazer melhor do que isto!» e resolvi experimentar a escrever.

Não passaram muitas páginas sem que aparecessem na minha mente imagens de outros mundos e depressa voltei a ter a companhia das fadas, dos duendes e dos unicórnios da minha infância.

A necessidade de aprender mais levou-me a decidir aprofundar mais esta paixão e a juntar-me a um grupo de escrita criativa especificamente vocacionado para o Fantástico e foi então que me apercebi de várias coisas.

A primeira foi que, por muito que já tenha lido, na verdade ainda tenho muito mais por ler.

A segunda foi que, para conseguir conhecer a maior parte do que de bom se faz neste género literário teria que deixar de ler em português.

Oh, que se lixe! O mundo é mesmo uma pequena ervilha azul...

E porquê? Pelas simples razão de que uma boa parte dos autores que escrevem FC & F de qualidade não estão publicados em Portugal. Em português. Na nossa língua.

Sim, eu sei que há muita coisa que se perde nas traduções mas, a meu ver, isto levanta uma problemática - a da acessibilidade das obras a todo e qualquer leitor.

Reparem, eu pertenço a uma geração já mais global, com conhecimentos de linguas. Para mim, caso tenha que ler em inglês, fine by me, mas quantas pessoas conheço que adoram ler e não entendem a língua inglesa o suficiente para conseguirem compreender um enredo um pouco mais complexo? Ou quem não tem queda para as linguas mas ainda assim gosta de uma boa leitura?

Não estará esta opção das editoras portuguesas a afastar a FC do leitor comum, reservando-o a uma pequena minoria?

E será esta uma opção tendo em vista meramente o negócio, optando por publicar obras de qualidade discutível mas com vendas garantidas, ou haverá aqui pelo meio uma visão quase elitista?

(continua)

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Comandante Serralves - Despojos de Guerra


Autores: Carlos Silva, Vítor Frazão, Inês Montenegro, Joel Puga, Rui Leite, Ana Filipa Ferreira


Opinião: Vamos lá falar de coisas importantes, nomeadamente sobre este livro, o primeiro resultado palpável do projecto Imaginauta. Desde que foi anunciado que fiquei bastante interessado no projecto, e tive direito a sinopses em primeira mão e tudo (já agora, acertei em quase tudo, eheh).

A primeira coisa a dizer é que a capa é fantástica. A sério, fantástica. Não só uma das melhores capas que já vi no panorama nacional, mas de uma forma geral. É lindíssima, e ficam aqui os meus sinceros parabéns à artista, Ana da Silva Monteiro!

Senti foi falta de um prefácio, uma introdução ao projecto, qualquer coisa. Da forma como está, embora possa com alguma facilidade apelar a um público maior, acaba por parecer direccionado a quem conhecer o projecto - porque quem não conhecer, não o vai conseguir fazer só por pegar no livro. O que para um projecto novo desta natureza, talvez fosse o ideal!

Na parte de trás do livro, há um pequeno problema com a espécie de sinopse: gralhas. Em bom português, frases mal enjorcadas! Mas nada muito grave, só é chato porque é normalmente o segundo contacto que um leitor tem com o livro, depois de passar pela capa...

Avancemos para os contos. A qualidade geral é acima da média e, espantem-se, acho que foi um dos poucos livros que li que conseguiu ir ao encontro das minhas expectativas. Não as superou, mas também não ficou aquém, e não por por eu as ter demasiado baixas.

O primeiro é do Carlos Silva e chama-se Métodos de Evasão. Pouco depois de o começar já tirei as medidas ao Comandante Serralves: é só juntar um bocadinho de Star-Lord (Guardians of the Galaxy) ou um bocadinho de Jack Sparrow (Pirates of the Caribbean) e já temos o essencial. Felizmente a personagem revela-se bem mais do que isso, com o passar das páginas e dos contos, mas seu carisma transborda para fora do livro, o que é bom.

É um conto curto, porreiro e que serve bem como ponto de partida para ficarmos a conhecer o resto do Universo criado por este grupo de autores. O mistério e a acção também estão bem trabalhados, e foi bom ver como o Serralves não era propriamente o foco principal da história, que conseguiu ser bem interessante.

Depois vem Sinais, de Vítor Frazão, que tem um bom começo e explora bem o Serralves e o seu grupo de rebeldes, tem óptimas cenas de acção e boas pistas sobre o passado e o carácter do Comandante, mas, e isto é um grande mas, tem diálogos com "Ah! Ah" de pessoas a rirem-se. O meu problema com essa escolha estilística está bem documentado e não dou hipótese. Fazer isto, para mim, é pecado. A vontade com que fico é a de fechar o livro!

E como cereja no topo do bolo, há uma personagem cuja relação com Serralves é metida a martelo, e o conto acaba com um final muito pouco satisfatório. Ou seja, acabei por não gostar tanto quanto poderia ter gostado, tendo em conta os pontos (bastante) positivos que mencionei. Uma pena.

Felizmente a seguir vem Dogson, de Inês Montenegro, um conto muito interessante e que explica de forma bastante explícita e ligeiramente perturbadora como raio é que funciona a aparente imortalidade de Serralves. De vez em quando aparece uma frase com uma sintaxe um bocado esquisita ("Mas no que lhe dizia respeito, já não mais seria um deles.") que só conseguiram distanciar-me da leitura, e eu queria mesmo era que o conto fosse maior, mas gostei, particularmente das descrições da luta mental que Serralves acaba por (obviamente) ganhar.

O segundo conto de Carlos Silva, Despojos de Guerra, mostra-me que o livro está muito bem equilibrado em termos da extensão dos contos e da forma como revela informação sobre Serralves e o resto do universo criado. E bem, tem piratas espaciais! Eu tinha razão, o que é que há para não gostar?

A história até é porreira, e aparece a nave do Serralves, chamada Maria (pormenor delicioso) mas tudo começa a descambar quando duas pessoas que sabem perfeitamente como algo funciona sentem necessidade de explicar um ao outro o funcionamento dessa coisa com algum detalhe. É um bocado como ver os tipos do CSI a explicarem tudo uns aos outros, como se não tivessem todos os mesmos conhecimentos básicos.

E é então que aparece um "Ahahahahah!". Nope nope nope. O fim não ajuda, fraquinho e a deixar claro que não havia propriamente uma história relevante para o que quer que fosse.

O conto seguinte, Das Eigentum, da Ana Ferreira, não ajuda à causa, com um começo interessante mas a descambar rapidamente (também é pequeno, vá). Por muito interessante que seja seguir o ponto de vista de um alien, a personagem do Serralves não bate certo com o que já se conhece, e o final é abrupto e difícil de acreditar. Boa escrita, no entanto!

Guerra Esquecida, de Joel Puga, foi o conto que menos gostei. Podia ser bastante interessante, mas fica claramente aquém, além de precisar de uma boa dose de revisão. E epah, o pessoal que me desculpe o spoiler, mas atlantes? A sério? A mim o que mais me espanta é um arqueólogo chegar a essa conclusão em cerca de vinte minutos, sem indicações especiais. "Vamos lá ver que ruínas são estas, tão estranhas... Ah, claro, atlantes, aquela civilização que, tanto quanto sei, nunca existiu." Enfim! O que ainda se aproveita mais é o facto do Serralves ir parar a um corpo um pouco... diferente do do que estava habituado, mas até isso é completamente desperdiçado.

Tudo melhora, no entanto, com Static Falls, de Rui Leite, o meu conto favorito deste livro, que acho que só peca pela facilidade em derrotar o vilão, e pela demasiado súbita mudança de ideias (de toda a gente). A verdade é que todo o ambiente e o desenrolar da história estão muito bem feitos. A forma como explora a personagem do Serralves, pondo-o ao lado de uma Emily de cinquenta anos (que conhecemos anteriormente bem mais nova), é muito boa, e embora não tenha ficado nada mau, ficou a faltar um final mais assertivo para ainda melhorar mais o conto.

No fim, posso dizer que gostei e irei certamente seguir o projecto. Não se deixem enganar pela minha picuinhice mais virulenta do que é normal, não consigo evitar ser mais rígido com projectos novos que me interessam. Na realidade, tirando talvez Guerra Esquecida, não posso dizer que tenha de facto desgostado dos contos. E como disse no início, é um livro claramente acima da média. Os meus parabéns e venham mais!

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Maus


Autor: Art Spiegelman
Tradutora: Joana Neves


Opinião: Sabem quando um livro é mesmo bom? Tão bom que antes de o lerem já sabem que vão gostar? Foi o que se passou comigo e com este Maus.

Das primeiras vezes que o tive à minha frente, não dei nada por ele. Tinha nazis, tinha gatos e tinha ratos e não me chamava a atenção no meio de tudo o resto. Mas um dia li a sinopse. Depois algumas opiniões. Comecei a ouvir falar do livro. Informei-me mais um pouco e pronto, era só uma questão de tempo.

Portanto calhou bem quando o recebi como prenda de anos dos meus pais (agradecido). Não que eu lhes tivesse dito que o queria ter, de forma bastante explícita, não é assim que funcionam as prendas...

*cough*

Pois bem, dei-lhe um lugar de destaque na pilha de leituras imediatas, e não podia ter feito melhor. Tenho a certeza que vou reler este livro muitas vezes. Aquilo que Art Spiegelman criou foi uma síntese quase perfeita daquilo que foi o Holocausto, não só os milhões de mortos e a loucura de meia dúzia de indivíduos com poder, mas também a dimensão humana e individual de todos estes acontecimentos.

A miséria extrema, as dificuldades de um judeu para sobreviver, as escolhas que era preciso fazer, o filho pequeno que é morto por misericórdia, os jogos de favores para conseguir aguentar a vida escondido ou num campo de concentração... Tudo isto com animais antropomorfizados como protagonistas, à semelhança do que fez Nuno Duarte em A Fórmula da Felicidade.

Os judeus são ratos, os alemães são gatos, os americanos são cães, os polacos são porcos e os franceses são... SAPOS! AH! Ri-me. Mas de qualquer forma, o simbolismo destes animais é óbvio, mas a sua utilização também obriga o leitor a distanciar-se um pouco, só para depois, de repente, se aperceber "aquilo aconteceu com pessoas". É verdade.

Mas o ponto forte do livro é a forma como a história é contada. Spiegelman foi muito inteligente ao usar a história pessoal do seu pai para demonstrar os horrores do Holocausto, e as curtas sequências da história do autor, incluindo os encontros com o pai, que é um homem que poupa até à exaustão e tem uma visão da vida um bocado estranha.

Aliás, a relação algo conturbada dos dois é um dos destaques do livro. Vladek Spiegelman é um homem difícil e temperamental, com comportamentos que de certa forma se justificam, tendo em conta tudo o que passou durante a guerra, mas que não é por isso que deixam de irritar o filho, Art.

Apenas mais algo para comparar com a narrativa trágica, e muitas vezes chocante, da Segunda Guerra Mundial. O final mais ou menos feliz engana, pois não é importante. O relato das páginas anteriores é que é. E vale muito a pena!

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

X-Men #8


Argumento: Brian Michael Bendis
Arte: Frazer Irving, Chris Bachalo, Tim Townsend, Mark Irwin, Al Vey, Jaime Mendoza
Tradução: Filipe Faria

Opinião: A conclusão da história de Magia é seguida pela continuação dos eventos directamente relacionados com o arco narrativo principal de lutas entre facções mutantes. E o que é que eu tenho a dizer?

Meh. Mas não quero ser injusto. Este número já foi interessante e beneficiou de não ser ultra-confuso, como alguns dos anteriores, devido à alternância entre o título principal e Uncanny X-Men, com histórias bastante tangentes.

Ainda não me consegui habituar a ver o Magneto de branco, mas o Ciclope fica melhor assim, sem dúvida. O resto das personagens parece que só existem quando são relevantes para o enredo. Magia teve algum destaque nos últimos tempos, pois foi literalmente o foco da mini narrativa dos últimos meses, mas Emma Frost e os novos mutantes que se juntaram a esta facção não podiam ser mais unidimensionais e ocasionalmente irritantes.

Felizmente as coisas melhoram, perto do final, com traições e revelações chocantes ao virar de cada página, a acrescentar alguma intriga a uma história que começa a cair demasiado na conversa e nos debates éticos e não sei quê.

Isto é BD da Marvel sobre os X-Men. Quero ver porrada! Inimigos poderosos! Eventos chocantes! Utilizações interessantes dos poderes de cada um!

Mas pronto, vamos lá ver. Mais dia menos dia chega o evento Battle of the Atom, do qual não sei o que esperar, para ser honesto. Mas pode ser que pelo menos haja mais acção!

sábado, 4 de outubro de 2014

"O Zé lê..." ou como fazer crítica literária de forma hilariante


Não faço a mínima ideia de como descobri o The Corner Club, um dos blogs mais irregulares que conheço, e que é também um dos que mais gosto de seguir.

O autor dos textos é o José Pedro Castro, e basta lerem um parágrafo para ficarem impressionados com as camadas atrás de camadas de humor que o tipo consegue enfiar em tudo o que escreve. A sério, torna-se ridículo. Eu sinto-me envergonhado de cada vez que sai um texto novo.

(In)felizmente não é algo que aconteça com muita frequência!

Mas qual é o interesse particular deste blog? A rubrica O Zé lê..., em que o autor pega num livro e o vai dissecando ao mesmo tempo que o vai lendo. O registo é para lá de hilariante e, como já vi alguém dizer algures, profundamente português.

Um exemplo:

"E eis-nos cá presentes para dar início a este projecto, em que um pobre aprendiz de tradutor madeirense, na plenitude da sua sabedoria e do seu domínio duvidoso da análise literária, procurará cometer indizíveis crimes, doravante apelidados de ‘posts’, contra a sensatez e perspicácia que qualquer pessoa desejaria de um crítico literário ou, vulgo a gíria, ‘merda’. Ou então será ele torturado pelos horrores conjurados por maus autores, até que o seu cérebro derreta e a sua criatividade mirre que nem uma rosa desprovida de água, ambas as possibilidades totalmente pensadas para, esperemos nós, o vosso deleite. Ou será ele a vomitar a dita merda, ou será ele a comê-la às colheradas. E pedir segundo prato!, que aqui ninguém desperdiça!"

Quem me dera conseguir escrever as minhas opiniões com esta qualidade. Este parágrafo foi tirado do primeiro post de O Zé lê "O Filho de Odin", de João Zuzarte Reis. Eu já tinha uma ideia da qualidade do livro, que a Alice leu-o, em tempos, e não achou muita piada, mas acompanhar estes textos do José é meio caminho andado para morrer a rir e ficar a saber na perfeição o que é que aquelas páginas contêm.

Aconselho-vos a fazer o mesmo. Não são muitos textos, mas se fossem dizia-vos na mesma para pararem o que estão a fazer e lerem tudo de enfiada. Preparem-se para dar gargalhadas em frente ao ecrã do computador.