A crónica deste mês foi escrita pela Elsa Cruz, uma amiga que conheci como colega da Oficina de Escrita de Trëma (e não vai ser a única a escrever para esta rubrica, os outros colegas ficam já avisados!). Mais velha que eu uns bons anos alguns poucos anos, foi uma das pessoas que me mostrou como a diversidade de géneros é importante, e como pessoas que escrevem coisas lamechas podem perfeitamente escrever coisas a tender para o sanguinário.
Ou seja, a Elsa é uma pessoa que admiro. E não só por ser uma das encarnações da Super-Mulher que conheço, a aturar filhas, marido, a ir ao ginásio, a trabalhar, a escrever, a ter vida social, enfim!, mas também porque desafia estereótipos e se está pouco borrifando para "regras" de leitura e escrita: lê o que lhe apetece, escreve o que lhe apetece.
E escreve bem. Como vão poder ver neste post e no do próximo Sábado. O que lhe pedi foi para falar um pouco da sua experiência ao contactar com este nicho que é a FC&F, especialmente a portuguesa. Não podia ter ficado mais satisfeito com o resultado, e acho que vocês também não. Obrigado, Elsa!
Foi com prazer que aceitei o desafio do Rui, que me pediu para escrever uma crónica para o seu blog. Sendo meu colega do grupo de escrita criativa a que pertencemos, conhece já um pouco da minha dificuldade em escrever qualquer coisa curta, portanto, ficou por sua conta e risco a possibilidade de vir a tornar uma crónica numa tese de mestrado.
Para além disso, o tema que me foi proposto - falar sobre a visão de uma outsider sobre o panorama da FC & F em Portugal - é um pouco mais complexo do que possa parecer à primeira vista.
Ainda assim, acho que não deixa de ser importante haver alguém que cresceu fora deste universo de fãs deste género e tem uma visão diferente do que são e/ou poderiam ser as coisas, por isso cá vai.
PARTE 1 | era uma vez uma criança que lia
Ainda o mundo era uma bola de fogo...
Leio desde que me lembro. Talvez os meus olhos já lessem antes mas de formas diferentes, quando devorava livros “de quadradinhos” sem conseguir ler os diálogos no balões, mas o apelo a voltar as páginas e a descobrir outras realidades sempre foi mais forte do que eu.
Numa casa onde se compravam livros como se fossem outras quaisquer peças de bric à brac, ler era um fenómeno estranho. Tão estranho como eu ser fascinada por cavaleiros medievais, fadas, duendes, elfos ou unicórnios.
Fui crescendo e o meu percurso enquanto leitora levou-me a fazer viagens incontáveis pelo mundo dos policiais, pelos romances delicodoces, pelos romances menos delicodoces, pela ficcção história e foi precisamente devido à minha paixão pelo que se escreve acerca do Rei Artur e dos Cavaleiros da Távola Redonda que dei por mim de novo embrenhada no Reino da Fantasia.
Calma, não caí num buraco como a Alice. Só fui escorregando devagarinho para dentro deste género, onde acabava sempre por voltar sempre que me desviava para outro lado qualquer. Até que houve um dia em que decidi que queria lá ficar e explorar o lugar um pouquinho mais a sério.
...quando entrei no Reino da Fantasia
Como autodidacta que tenho a mania que sou em tudo o que me interessa, comecei a ler mais e mais dentro do género. Alternei maioritariamente dentro da Fantasia em universos medievais, do Paranormal e do Realismo Mágico (generalizando um pouco a coisa). Casos houve em que comprei séries de qualidade duvidosa só para encontrar padrões de escrita e perceber se afinal gostava daquilo ou não. Até que um dia pensei «caramba, até eu consigo fazer melhor do que isto!» e resolvi experimentar a escrever.
Não passaram muitas páginas sem que aparecessem na minha mente imagens de outros mundos e depressa voltei a ter a companhia das fadas, dos duendes e dos unicórnios da minha infância.
A necessidade de aprender mais levou-me a decidir aprofundar mais esta paixão e a juntar-me a um grupo de escrita criativa especificamente vocacionado para o Fantástico e foi então que me apercebi de várias coisas.
A primeira foi que, por muito que já tenha lido, na verdade ainda tenho muito mais por ler.
A segunda foi que, para conseguir conhecer a maior parte do que de bom se faz neste género literário teria que deixar de ler em português.
Oh, que se lixe! O mundo é mesmo uma pequena ervilha azul...
E porquê? Pelas simples razão de que uma boa parte dos autores que escrevem FC & F de qualidade não estão publicados em Portugal. Em português. Na nossa língua.
Sim, eu sei que há muita coisa que se perde nas traduções mas, a meu ver, isto levanta uma problemática - a da acessibilidade das obras a todo e qualquer leitor.
Reparem, eu pertenço a uma geração já mais global, com conhecimentos de linguas. Para mim, caso tenha que ler em inglês, fine by me, mas quantas pessoas conheço que adoram ler e não entendem a língua inglesa o suficiente para conseguirem compreender um enredo um pouco mais complexo? Ou quem não tem queda para as linguas mas ainda assim gosta de uma boa leitura?
Não estará esta opção das editoras portuguesas a afastar a FC do leitor comum, reservando-o a uma pequena minoria?
E será esta uma opção tendo em vista meramente o negócio, optando por publicar obras de qualidade discutível mas com vendas garantidas, ou haverá aqui pelo meio uma visão quase elitista?
(continua)