quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Saving Mr. Banks (2013)



De vez em quando fazem-se filmes de coisas idiotas. Umas alminhas lembraram-se de fazer um filme baseado no jogo da batalha naval, por exemplo. Mas além deste tipo de idiotices, as sequelas e prequelas também costumam ser uma das apostas favoritas, num espírito de facilitismo que só convence pessoas com cifrões dos olhos. Ou então fazem-se remakes, algo ainda mais fácil: já existe o guião e até já existe um filme inteiro por onde copiar e guiar o novo filme. Por vezes até se justifica, mas a maior parte das vezes nem por isso.

No entanto, e isto cada vez é menos raro, ou pelo menos cada vez tem mais visibilidade, fazem-se filmes interessantes. Verdadeiramente interessantes. Coisas novas, cativantes, originais e que mesmo não sendo vistosas, são bem feitas. É o caso de uma outra moda que aprecio e que ainda não me desapontou: os biopics, filmes semi-biográficos de grandes figuras ou momentos marcantes da nossa História.

É o caso deste Saving Mr. Banks, cuja premissa não me convenceu. Não tinha grande interesse em ver um filme sobre o filme da Mary Poppins, por muito interessante que essas histórias de bastidores normalmente sejam. Mas a sinopse já teve outro efeito. Foi aí que percebi que isto não era uma mera história sobre a história, mas sim a história da autora do livro em que o filme se baseia, P.L.Travers (interpretada por Emma Thompson), uma mulher com uma infância difícil e uma personalidade complicada.


Só que o filme não fica por aí. O foco, aliás, até está na luta que esta trava com Walt Disney (interpretado por Tom Hanks) relativamente ao filme. Ele quer mais um sucesso, com a animação que já é a sua imagem de marca, capaz de agradar ao todos os públicos de uma forma simples e directa. Ela recusa vender a sua história a não ser que sigam as suas indicações muito específicas e exaustivas.

No fundo é uma luta de ideais entre Disney, o homem com uma criança dentro de si, e Travers, a mulher que deixou de ser criança muito cedo. Um obriga toda a gente a tratá-lo pelo primeiro nome, e incentiva um ambiente de trabalho bastante informal, e a outra é extremamente britânica e insiste que o seu nome é Mrs. Travers.

Disney é expansivo, brincalhão, afável, sonhador e idealista; Travers é ríspida, séria, antipática e nostálgica. Era difícil encontrar duas personagens mais contrastantes, ambas bem representadas, embora Tom Hanks não me convença muito e Emma Thompson demonstre, mais uma vez, a sua enorme capacidade.

O filme é entrecortado e contado em dois tempos diferentes. De um lado Mrs. Travers tenta criar um filme que lhe agrade, indo frequentemente contra as directivas do próprio Walt Disney, para desespero da equipa de criativos responsáveis pelo guião e pela música. Do outro a história de infância de Travers na Austrália.


É essa segunda história que dá relevância à primeira, ao mostrar o pai bêbedo mas preocupado, constantemente deitado abaixo pelas agruras da vida e que recorre à bebida para se refugiar, muitas vezes em sacrifício da sua vida familiar. Quem sofre é principalmente a sua mulher, já que as três filhas, além de muita amadas, são demasiado novas para perceber. Só a futura Mrs. Travers é que começa também a partilhar a responsabilidade com a mãe, quando se apercebe da necessidade que o pai tem de beber álcool.

Quando tudo corre mal, chamam a tia, rígida mas carinhosa, a única pessoa capaz de pôr ordem naquela casa. É assim, com os pedaços certos de história a aparecerem nos sítios certos no meio da história principal, que ficamos a perceber que algumas das manias de Mrs. Travers têm causas fortes com raízes na sua infância. Assim como muitos dos seus maneirismos e peculiaridades, bem como a insistência em controlar cada detalhe do filme.

Na realidade, o livro não é apenas uma história infantil, é em parte a sua própria história, reescrita para honrar o seu pai, de quem tanto gostou e que nunca foi propriamente cruel, nem negligente, mas sim irresponsável, por ser demasiado sonhador.

Esse é o dilema que Disney e os seus colaboradores parecem não perceber, o que muito exaspera a autora. Só com o passar do tempo, e com muito esforço de toda a gente, é que lentamente a vão conseguindo convencer de que aquele filme é uma boa ideia. Ao mesmo tempo, a história secundária que nos é mostrada explica a origem de todas as inseguranças reprimidas de Travers, e que tantas barreiras impuseram sobre as suas decisões.


No fim percebemos tanto um lado como o outro, e é difícil não simpatizar com todas as personagens. Outra personagem notável é o motorista que leva a autora todas as manhãs para os estúdios e todas as noites de volta ao hotel, Ralph (interpretado por Paul Giamatti), que se torna no seu amigo improvável. A sinceridade com que fala com ela é incrível.

Mas não fiquem a pensar que é um filme lamechas, antes pelo contrário! Isto é praticamente uma comédia, pontuada de momentos dramáticos, mas que servem sempre para fazer a história avançar ou para evoluir as personagens, e nunca em vão. A maior parte desta comédia vem do embate da personalidade peculiar e estereotipicamente britânica da autora com as americanices e criancices de Disney e companhia, e é espectacular. Por vezes subtil, por vezes mais óbvio, mas sempre bom.

Ah, e não posso terminar sem uma nota final para Colin Farrel, que interpreta o pai da autora durante a sua infância na Austrália, e que realmente consegue o equilíbrio perfeito entre adulto irresponsável e pai sonhador.

Um filme que vale a pena ver, sem dúvida, e que não só é relevante por si só como dá uma nova relevância à Mary Poppins.


segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

O Anjo mais Estúpido


Autor: Christopher Moore
Tradutora: Leonor Bizarro Marques


Opinião: Eu gosto deste autor, a sério que gosto. Dos dois livros dele que li antes deste, adorei um e fiquei altamente desapontado com o outro, mas fiquei com noção que a culpa não era do livro/autor, mas sim do facto daquele ser o segundo volume de uma trilogia sem mais nenhum volume publicado em Portugal.

Com a leitura deste O Anjo mais Estúpido, esperava não só ter uma leitura natalícia a condizer com a época do ano, como recuperar a boa impressão que tinha de Christopher Moore. Infelizmente isso não aconteceu, e desta vez tenho que pôr culpas no livro/autor, mas também na tradutora, de quem falarei no fim.

Para começar o livro é puro humor destilado. Não há aqui nenhuma tentativa muito pronunciada de desenvolver personagens ou uma narrativa coerente. Há uma história, sim, mas tudo acontece com o propósito de proporcionar momentos de comédia. E quanto mais idiotas, melhor.

O “problema” começa aí, e não é bem um problema. É que o tipo de humor, muito americano, não é o meu tipo de humor favorito. Em doses pequenas torna-se agradável, mais que não seja porque me leva a rir, quer eu queira quer não, de tanta idiotice pegada, mas é só. Sou muito mais fã do humor britânico, por exemplo, igualmente palerma e surreal, mas com uma abordagem muito diferente.

Isto para dizer que logo à partida, não é fácil de me convencer com um livro destes. Mas como o primeiro livro que li do autor, Guia Prático para Cuidar de Demónios, me agradou bastante, tinha confiança. Só que este livro, apesar de engraçado, não é assim tão engraçado quanto isso. O autor parece esforçar-se demasiado para que as situações e as personagens tenham graça, e portanto não há nada normal nesta história, e sem algo normal para contrastar, as situações exageradas parecem apenas isso: exageradas e sem sentido.

É claro que é difícil não ser engraçado quando se conta a história de uma pequena cidade americana com um polícia de inclinações hippie, a sua mulher ex-actriz de filmes de série B e actualmente completamente louca dos cornos, um aviador com um morcego de estimação, um biólogo com eléctrodos nos testículos para controlar os seus próprios impulsos sexuais, e uma horda de zombies com uma estranha apetência por móveis do IKEA, entre muitas outras coisas. Portanto nem tudo é mau.

O verdadeiro problema, este sim relevante, é a tradução. Eu sei que avaliar a tradução é uma tarefa um bocado ingrata para quem a faz, sem ter o original ao lado, mas neste caso há problemas inegáveis. A começar pelas notas da tradução, das quais o livro está cheio, e das quais noventa por cento eram dispensáveis. Ninguém precisa que lhe expliquem quem é o “Barba Negra”!

Depois alguns erros gramaticais graves, que tornam as frases altamente confusas. E o pior de tudo é o facto da melhor piada do livro inteiro, e que é intraduzível para português, passa despercebida por não ter uma nota de tradução num sítio onde era realmente preciso haver uma! Vejam a frase: “Afinal de contas, a negação não é apenas o nome de um rio no Egipto.”. Qual é a piada? Qual é, sequer, o sentido disto? Eu que não tenho problemas com o inglês, cheguei lá, mas não foi imediato, e outra pessoa menos fluente nunca na vida apanharia esta piada. O truque está na sonoridade: negação em inglês é denial, que se lê da mesma forma que the Nile, ou o Nilo, o maior rio do Egipto!

A piada é genial, e estas manhosices da tradução escondem-na por completo e tornam a frase em algo inconsequente e idiota. No fim, todos estes problemas fazem com que a minha classificação deste livro tenha que ser puxada para baixo. Parece que foi uma tradução feita em cima do joelho, sem que a tradutora prestasse grande atenção ao que estava a fazer. E isso não é nada bom.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

Nos Limites do Infinito


Autores: Ana Luiz, Ângelo Teodoro, João Rogaciano, Ricardo Dias, Rui Bastos, Yves Robert


Opinião: Sou um pouco suspeito para comentar este livro. Tem um conto meu! Mas como é uma antologia com contos de cinco outras pessoas, tive que ler.

Já conhecia todos os autores de outras obras, mas o mais importante antes de abrir o livro é notar que tem lombada, apesar de ser fininho, com as suas pouco mais de sessenta páginas. Parece algo idiota de se fazer notar, mas para mim foi uma vitória.

A segunda coisa em que é preciso reparar é nas ilustrações, que são muito boas e fazem deste livro o mais bem-parecido desta jovem editora, com uma capa branca muito distintiva graças aos esboços negros que representam cada um dos contos.

Tudo bons augúrios, portanto. Só falta pegar, ler e ficar com opinião dos contos!

O primeiro é Sorte ao Jogo, de Ana Luiz, e digo já que é um dos meus favoritos. Convenceu-me logo ao início, com diálogos realistas como é raro de encontrar, ainda que a partir de certa alturam tenham regredido em qualidade. Como a autora disse na apresentação, a história de um pacto infernal e de jogos arriscados para a alma não é propriamente original, mas está bem apropriado e adaptado para o universo português.

A seguir vem A Pele de Penélope, de Ângelo Teodoro, que tem uma boa escrita e uma ideia muito boa, mas uma execução abaixo de óptima. O principal problema é a forma como a escrita se enamora de si própria e se perde num mar de metáforas exageradas. O outro problema é a personagem principal com decisões e acções muito incertas e inconsistentes.

O conto seguinte é Memórias de Teddy, de João Rogaciano, outro dos meus favoritos, que só pelo título e descrição do autor me tinha deixado a pensar em João Barreiros e a sua fixação literária com brinquedos. Tive algum receio, mas depois de ler fiquei agradado. É claramente na mesma onda, mas diferente o suficiente, com um estilo próprio e uma boa escrita, apesar do desfecho ser ligeiramente óbvio, deitando a perder a surpresa que podia ter sido.

Depois vem A Casa da Rua dos Mirtilos, de Ricardo Dias, que me aborreceu um pouco. É um conto juvenil, como tinha sido dito na apresentação, o que não tem nada de mal, à partida, mas neste caso não correu bem. A estrutura da história não é eficaz, o desfecho deixa a desejar, e as personagens são demasiado exageradas, e nem a escrita mais do que razoável salva o conto.

Como quinto conto aparece o fantástico A colina que olha para ti do espectacularmente bem-parecido Rui Bastos, um autor fora de série que merecia já o Nobel. Ok, eu confesso, sou eu: surpresa! Fora de brincadeiras, não vou opinar sobre o meu conto, excepto para dizer que sofre do mesmo mal que todos os contos da antologia… Mas já lá vamos.

Antes é preciso falar de Entre Estações, de Yves Robert, que mais parece um excerto daquilo que podia ser um excelente livro, já que o conceito aqui explorado é muito interessante, apoiado por uma boa escrita.

A opinião geral é positiva, e acho sinceramente que esta é a melhor antologia da Divergência até ao momento, embora eu seja suspeito, como é óbvio. Tenho é de apontar que todos os contos sofrem de um gravíssimo caso de demasiado tell e pouco show em momentos em que isso teria sido muito mais eficaz. Eu incluído como culpado principal!

Mas de facto, se descontarmos isso e um, talvez dois contos menos bons (sem contar com o meu), este é um bom livro!

quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Star Wars Episode VII: The Force Awakens (2015)



Não foi horrível! Toquem os trompetes e bradem aos céus! Foi um filme de Star Wars como deve ser. Divertido, cativante, com suficientes acenos ao passado e óptimas questões deixadas em aberto, para o futuro. Os novos actores são, de uma maneira geral, muito bons, e não apareceu nenhum Jar-Jar Binks, nem conversas sobre o Senado, nem midichlorians nem nada que se pareça.

No fundo foi um filme de aventuras, leve e divertido, bem feito, fiel ao espírito original mas compreensivelmente adaptado às audiências de hoje em dia.

Os cenários são realistas, da mesma forma que o eram na trilogia original, e praticamente não há personagens que pareçam falsas montanhas de CGI. No entanto tudo isso perde importância face às personagens.

O filme começa por seguir Poe Dameron, o melhor piloto da Resistência e interpretado por Oscar Isaac, que embora apareça pouco, é impecável. Sou fã deste actor desde que vi Ex Machina e não me desiludiu. Espero que tenha um pouco mais de proeminência, nos próximos filmes.

O foco rapidamente muda para duas personagens peculiares: Finn, o Stormtrooper renegado interpretado por John Boyega, e Rey, a underdog de serviço, interpretada por Daisy Ridley. Ambos se encontram através de circunstâncias improváveis e acabam por ter papéis igualmente improváveis no desenrolares dos acontecimentos - com a devolução da Millenium Falcon ao seu dono original a ser provavelmente o mais icónico deles todos.

Boyega é engraçado, e tem uma história pouco usual para quem apanha o Universo Star Wars: um Stormtrooper que recusa e combate o seu condicionamento, se vira contra os seus chefes mauzões e se alia aos bonzinhos. Mas é Rey que domina, empurrando até Finn para um papel secundário. Não há que enganar: a protagonista é Rey, a personagem encontrada num planeta deserto e que é, acidentalmente, especialista em mecânica de naves espaciais.

Com aspecto de ser da família da Keira Knightley e uma vivacidade digna da saga, é esta personagem que verdadeiramente faz tudo avançar. E bem.

Como é óbvio, os vilões são brutalmente interessantes. O misterioso Snoke, interpretado por Andy Serkis, ainda tem que ser mais explicado e contextualizado, mas já deu para perceber a ideia: Sith Lord super poderoso com planos megalómanos. Mas é Kylo Ren que me interessa. O vilão-mistério dos trailers, com o seu já icónico lightsaber mais parecido com uma espada medieval do que outra coisa.

E aqui chego a um dilema. De um lado, a personagem, fascinante e que me interessou verdadeiramente; do outro, Adam Driver, o actor, que por qualquer motivo não me convenceu minimamente. A revelação das suas origens é chocante, aquilo que faz perto do final é ainda mais chocante, o seu domínio da Força é extraordinário, e a sua falta de domínio do próprio temperamento é ainda mais espectacular. Aqui está um vilão que além de ser complexo e fugir ao estereótipo de vilão super poderoso e confiante de si, ainda enfrenta um dilema novo neste Universo e que muito me interessa ver explorado: alguém que abraça o dark side mas sente a tentação do light side.

Uma ideia tão simples e com repercussões tão brutais! Os meus mais sinceros parabéns a quem teve esta ideia!

No fim percebe-se que há muito fan service, mas não achei que tenha sido mal servido. Não exageraram, o que é bom. E tudo isto faz de The Force Awakens um bom filme e um extraordinário Star Wars, que reacende a chama, ainda que não seja extraoardinário!

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Sharaz-De


Autor: Sergio Toppi
Tradutor: João Miguel Lameiras


Opinião: Mas que livro excepcional. E nem é preciso ir muito longe: olhem-me para aquela capa. As ilustrações são todas assim, completas, cheias, em páginas enormes sempre preenchidas. Não é difícil uma pessoa esquecer-se da história que está a ser contada, para se perder nos desenhos.

O que é contado também vale bem a pena, atenção... A estrutura repetitiva pode cansar muita gente, mas a mim não me desagradou, porque é uma estrutura que até aprecio. Especialmente quando o tom dado a cada história é o mesmo que se dá aos mitos: aquela sensação de serem histórias "maiores do que a vida", suficientemente específicas para soarem verdadeiras mas suficientemente gerais para soarem como lendas.

Só que as ilustrações são verdadeiramente impressionantes, seja a preto e branco, seja a cores, e deslumbram completamente qualquer pessoa que pegue no livro. A forma como tudo encaixa nos diálogos e na história é extraordinária. A fluidez da narrativa escrita e da narrativa desenhada tem uma qualidade como acho que nunca vi em mais lado nenhum.

As histórias em si são diferentes daquilo a que estou habituado, já que são histórias baseadas em histórias baseadas em histórias (...ad eternum) passados no Médio Oriente, e que nasceram, exactamente, nas tradições, mitos e fábulas do Médio Oriente. A roupagem talvez seja algo diferente, por estarem a ser recontadas por um italiano, mas a diferença é marcante o suficiente para ser genuína.

Este é, como já deu para perceber, um livro excelente, que me encheu as medidas, especialmente por causa das ilustrações. Não o aconselho facilmente a qualquer pessoa, que a estrutura repetitiva da escrava que é salva mais um dia, para contar mais uma história, rapidamente pode aborrecer algumas pessoas, mas a quem não tiver problemas com isso, digo para não hesitar! E quem tiver problemas, que experimente, ou que pelo menos veja os desenhos. Valem bem a pena.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

O Último Europeu


Autor: Miguel Real


Opinião: Começo-me a sentir como aqueles professores que dizem "eu gostava era de vos dar boa nota a todos, ou melhor, nem sequer vos avaliava". É o que eu sinto com livros de autores portugueses. Como fã e defensor da nossa literatura, assim como aspirante a fazer parte dela, como podem comprovar amanhã, ou comprando o livro em pré-venda (é assim que se faz publicidade subtil, não é?), gostava mesmo que todos os livros de autores nacionais fossem espectaculares.

Infelizmente deparo-me frequentemente com desilusões, seja mais um livro incoerente do Gonçalo M. Tavares, ou um incompreensível tomo do David Soares, parece que nada se safa. Não é fácil encontrar algo agradável.

Foi com algum alento que ouvi falar de uma distopia portuguesa! Ligeira excitação que só durou até ver a capa e ler a sinopse. Calma que não é uma distopia, é uma utopia. E não é ficção científica, é um ensaio filosófico sob a forma de prosa de ficção.

A sensação imediata foi a de FC com vergonha de ser FC. Algumas páginas depois de começar a ler, a suspeita acentuou-se: isto é ficção científica com vergonha de o ser, por algum motivo. Não sei se puro marketing, se por vergonha intelectual de escrever num "género menor".

O Último Europeu conta a história de um futuro não tão distante quanto isso, em que supostamente tudo é fantástico. E quando digo tudo, quero dizer que a Europa está dividida entre tribos de bárbaros que aderem aos velhos costumes, e enormes conglomerados populacionais, chamados... Conglomerados, onde as pessoas são livres. Dentro de certos limites.

Nesta Nova Europa não há conflitos, nem insatisfação. Todos os habitantes dos Conglomerados têm um chip implantado no cérebro que lhes permite comunicar através do Grande Cérebro Electrónico, um computador central que domina toda a população. Toma as decisões pelas pessoas, ajuda a inibir as emoções e que simula a satisfação de um certo desejo/vontade, caso não possa ser realmente satisfeito.

Já não há comida, há pó alimentício, já não há pais, mães e filhos, mas sim crianças que nascem de forma artificial, a partir de material genético extraído dos cidadãos e combinado da melhor forma.

Também não há nomes, abolidos em nome (eheh) de um sentimento de comunidade. Tudo funciona às mil maravilhas e tudo é basicamente electrónico. Até ao dia em que os malvados chineses (a sério) os isolam das centrais geotérmicas que lhes dão toda a energia de que precisam. Uma civilização tão avançada que se esqueceu de ter mais do que uma tomada por perto, caso uma avarie.

É então que são lentamente invadidos pelos malditos chineses (a sério), que vaporizam pessoas com os seus raios lasers, lhes sugam as partículas e depois os enviam para o espaço, uma ideia que é muito repetida. A única solução para os Novos Europeus é fazerem um acordo com uma tribo de bárbaros europeus para que alguns consigam fugir e recomeçar.

Parece interessante? Isto é menos de metade do livro. O resto do tempo é dedicado às agruras de começar uma civilização do nada, recorrendo apenas a um grupo de pessoas maioritariamente inútil, de tão pouco que se fazia na Nova Europa.

Se a história já não me estava a convencer, ainda pior fiquei quando ouvi o autor falar, na sessão para a qual fui convidado pela biblioteca da minha escola. Começou logo bem, quando nos apresentaram um ao outro, no meu caso com a indicação "está a ler o seu livro tal e tal", que obteve como resposta, "estás a perceber aquilo? é a utopia-distopia, tens que perceber".

Certo. Ok.

Tudo piora quando lhe pergunto, durante os autógrafos, se rejeita o rótulo de FC. Nem me deixa acabar a pergunta "já tive esta discussão muitas vezes, durante muito tempo", óptimo, diga de sua justiça, "isto não é FC!". Mas... "não tem batalhas galácticas nem intrigas laboratoriais". Ah, agora tudo faz sentido, "não é tanto Clarke, ou Asimov, como Ballard", agora já não, "o que é que chamas ao 1984, do Orwell?", "bem, FC", "pois, não... não tem intrigas laboratoriais", "pronto, está bem, tenha um bom dia", "não fiques chateado, eu sei que quando somos novos não lidamos bem com estas coisas, mas um dia percebes."


Enfim, estão a ver a peça. Pretensiosismo mascarado de intelectualidade. FC é naves e vírus mortais, Orwell não é FC, provavelmente porque é literatura a sério, ou outra coisa do género, e eu sou demasiado novo para perceber estas coisas.

Escusado será dizer que, por muito boa vontade que eu tivesse, o resto da leitura teve direito a uma visão mais dura e mais crítica. E como resultado, não fiquei nada satisfeito. Numa história que usa (mal) conceitos e invenções tecnológicas e científicas para explorar vários aspectos da mente/vida/sociedade humana, de forma bastante óbvia e gritante, tenho que acreditar que isto não é FC, é uma dicotomia utopia-distopia que retrata um ponto de vista filosófico sobre a natureza do ser humano.

Poupem-me. Um dia ainda gostava de conversar com este senhor, para ele perceber bem o que é a FC. E para lhe dizer que este livro é aborrecido, desconexo, repetitivo e incoerente!

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

A breve história de como o impensável aconteceu


Eu podia ser o rapaz naquela foto. Só que este ano até nem estou tão a morrer como é costume, por esta altura. Já sou mais velho, tenho mais paciência e preocupo-me menos com o que não merece preocupação. Mas o indício fulcral de que eu não sou de facto aquele rapaz, é que é claramente de dia, e ele está a dormir. Ora aí está um desporto que eu já não pratico há anos.

Idealmente, esse coisa de ser noite é um conceito abstracto para mim, uma daquelas coisas improváveis que só acontece aos outros. Quando acordo, já está sol, quando volto a casa, ainda está sol, e a única diferença é mesmo o silêncio que alastra o suficiente para se conseguir ouvir as prendas intestinais dos vizinhos a afogarem-se.

Mas tirando isso, noite? Quê?

Infelizmente, com essas coisas aborrecidas das mudanças de estação e tal, eu agora acordo de noite e chego a casa com noite cerrada por cima de mim. Ou seja, os meus dias, em vez de parecerem infinitamente grandes, parecem infinitesimalmente curtos. Ainda para mais quando tenho de, literalmente, perder tanto tempo com coisas que não me interessam.

Sim, já estou no quinto ano, segundo do mestrado. O último. Já comecei a trabalhar na tese (ainda que lentamente) e estou envolvido numa série de coisas relevantes que me interessam realmente para o meu futuro. Mas sabem o que é que eu passo a maior parte do tempo a fazer?

Coisas aborrecidíssimas de cadeiras que, ou não deviam existir, ou estão ao nível do primeiro ano. É que ainda dão trabalho! Juntem isso às coisas que eu faço porque realmente as quero fazer e, enfim, não tenho tempo para nada. Nem para ler.

...

Pronto, eu confesso, era isto. No meio dos meus afazeres e obrigações, alguma coisa teve que ceder ligeiramente, e foi a leitura. Não me sinto orgulhoso disso, mas já que o ser humano (ainda) não vive tempo suficiente para ler tudo o que quer, também não faz diferença se em vez de ler só 0.5% do que quero, ler só 0.49%. Mais vale despachar as outras coisas, para ficar finalmente livre, do que andar depois a arrastar-me ainda mais.

Foi assim que o impensável aconteceu. Os textos aqui no blog já estão a sair mais depressa do que aquilo que eu consigo ler. Também ajuda que dos últimos livros em que peguei, um tenha sido uma grandessíssima bosta (estou a olhar para ti, Gonçalo M. Tavares) e outro esteja a ser aborrecido, especialmente depois de presenciar o pretensiosismo e ignorância do autor ao vivo. Uma história que fica para depois.

Mas já repararam que na Segunda não saiu opinião de nenhum livro/filme/série? E que hoje se repete essa brincadeira? Pois, não é que eu tenha muita coisa para dizer, tenho é pouca coisa para opinar, já. Bem, para dizer a verdade tenho muita coisa para opinar, mas poucos livros/filmes/séries. Um problema que também será resolvido de várias maneiras no próximo ano, se tudo correr bem...

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Conversas Imaginárias 2015


Devido às obras na Biblioteca de Telheiras, este ano não foi possível haver Fórum Fantástico. Mas o Rogério Ribeiro e o João Campos, incapazes de estarem quietos, lá se esforçarem para trazer um mini-evento em substituição. Estas Conversas Imaginárias, que pelo que percebi, já se tinham feito noutros anos.

O resultado foi positivo. O espaço partilhado entre a livraria Fyodor e o Café Ideal foi pequeno para tanta gente que lá apareceu de início e que lá esteve durante boa parte da tarde, mas chegou. O único defeito foram mesmo os problemas de som, já que sem microfones, com barulho de pessoas aleatórias a comprar livros na Fyodor, tornou-se difícil ouvir certas partes das conversas.

No entanto foi bom ver António de Macedo a falar bem como sempre, e a anunciar livros e filmes como se fosse um jovem, apesar da saúde fragilizada. Só por isso valeu a pena!

As três conversas, Universos Partilhados, O Fantástico e o Real, e Iniciativas em Comunidade foram todos muito interessantes, com convidados como Luís Filipe Silva, João Barreiros, o já mencionado António de Macedo, David Soares, Carlos Silva pela Imaginauta, o responsável da H-Alt, a Liga Steampunk, Ricardo Lourenço pelo Projecto Adamastor, e João Campos, Artur Coelhos e Cristina Alves a juntarem-se a João Barreiros para a já habitual sessão de recomendações que dura mais do que devia.

Pelo meio houve ainda tempo de se venderem os primeiros exemplares da Colecção Barbante, que inclui um conto meu, muito convívio e muitas conversas entre partes de uma comunidade que gosta de se chatear consigo própria, mas que não resiste a estes momentos de autêntica confraternidade.

Pela minha parte comprei livros recomendados pelo Luís Filipe Silva e editados pelo João Barreiros (A Pegada, de Larry Niven e Jerry Pournelle, ambos os volumes) e um livro aprovado por Rogério Ribeiro (Under Heaven, de Guy Gavriel Kay), recebi uns marcadores impressos em 3D pelo professoris excepcionalis Artur Coelho (duas Enterprise e um Dalek, para partilhar com a namorada) e conheci amigos virtuais (Luiz, foi um prazer).

Uma tarde bem passada, e a prova de que basta esta malta juntar-se que acontecem coisas porreiras.

sábado, 12 de dezembro de 2015

Lançamentos: "De onde veio a máscara?" e "Nos Limites do Infinito"

Malta, mal posso esperar. Hoje decorre o Conversas Imaginárias, na Fyodor Books, como espécie de substituição do Fórum Fantástico deste ano, e entre outras coisas, vai ser lançada a Colecção Barbante da Imaginauta, da qual faz parte um conto meu!

Depois, dia 19 deste mês, no próximo Sábado, às 14h30 em Lisboa, na Biblioteca São Lázaro e às 18h em Torres Vedras, na Junta de Freguesia de S. Maria, S. Pedro e Matacães decorre o lançamento da antologia "Nos Limites do Infinito", com um conto meu a acompanhar os de outros cinco autores, pela Editorial Divergência. Estarei em ambas!


E já sabem, estão convidados para ambas as coisas! O evento de hoje não tem nenhum lançamento formal (que eu saiba), mas o do próximo Sábado sim!

sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Vingadores: O Último Acto (Marvel Salvat #2)


Argumento: Brian Michael Bendis
Arte: David Finch, Danny Miki, Frank D'Armata
Tradução: Paulo Furtado


Opinião: Começo a achar que as histórias dos Vingadores não têm muito para me dizer. Para além de sofrerem de um óbvio problema de chefia (o verdadeiro super-poder do Capitão América é, na realidade, a liderança), não me conseguem cativar de uma forma geral.

Grande parte vem do facto de não fazerem sentido. São a maior e mais poderosa equipa de super-heróis de sempre, e deixam-se enganar, vez após vez, por coisinhas menores.

Neste caso há uma personagem que volta a fazer das suas e que já não me surpreende (a sério, quantas vezes é que vão ter de morrer quase todos, antes de perceberem?

Enfim, o livro não é completamente desinteressante e tem uma boa premissa: as desgraças começam a acontecer em catadupa, tudo em cima dos Vingadores, sem que alguém faça a mínima ideia do que se passa realmente.

Até morrem alguns dos Vingadores, incluindo personagens mais ou menos não-secundárias. É um ponto positivo, dar consequências reais e palpáveis aos acontecimentos do passado. Digamos que é daquelas coisas que eu procuro sempre em qualquer história que veja/leia/oiça/o-que-quer-que-seja. Densidade narrativa, logo a seguir à coerência narrativa.

Este livro falha um pouco em ambos os campos e nunca deixa de ser um livro razoável. Tenho sempre pena destas coisas, pois até costumam ser histórias com bastante potencial, como este.

Ainda por cima o fim deixa mais do que um pouco a desejar. Há tantas personagens envolvidas em cada página, que não é fácil seguir e acompanhar toda a gente, o que não é bom. Pelo menos o úlimo capítulo está bem feito, graças à arte original de cada uma das histórias mencionadas, numa iniciativa que merece ser louvada!

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Doctor Who [T09] (pós-2005)


Vamos lá esmiuçar mais uma temporada de Doctor Who, que teve muito que se lhe diga...

Contexto

A temporada anterior foi a primeira de Peter Capaldi no papel de Doctor. Depois de Matt Smith como um brincalhão e saltitão Eleventh Doctor, foi-nos prometido um Doctor mais sério; e foi o que aconteceu. De tal forma que choveram críticas à nova encarnação da personagem, que demonstrou muito cedo ter uma personalidade muito diferente das dos seus antecessores imediatos.

Aliás, poucos episódios depois de começar a oitava temporada, era difícil não fazer paralelos com alguns dos Doctors da série clássica, já que este Twelfth Doctor transmitia muito mais uma sensação de veterano e velho rezingão.

Para mim foi uma óptima mudança, e não demorei muito a ficar convencido de que o actor tinha sido bem escolhido. Mas ainda assim, e por mais a oitava temporada me tenha tentado convencer que este novo Doctor era mesmo, mesmo badass e todo dark, os episódios ficaram um pouco aquém, de uma forma geral. As histórias repetiam-se, as reviravoltas já não surpreendiam, e era possível apontar os tiques de Moffat com demasiada frequência.

Houve certamente uma mudança em termos de tom, mas não em termos de direcção. A série continuava a seguir o mesmo caminho, só que de outra perspectiva, o que criou excelentes momentos, mas falhou em ser algo mais.


Aprendizagem

No entanto as coisas mudam. E se há algo de bom (e mau) nesta era da Internet, é a quantidade de feedback que os espectadores dão de imediato. Ainda o episódio não acabou, e já há malta a disparar por todos os lados.

Alguém com paciência (ou que tenha esse trabalho) pode filtrar as alarvidades e perceber a opinião real das pessoas. E parecia que era o que o Moffat tinha feito! Apesar da escolha questionável de manter Jenna Coleman no papel de companion durante mais uma temporada, começaram a surgir notícias promissoras: uma temporada repleta de two-parters, um Doctor mais seguro de si próprio, rumos sobre o regresso de Gallifrey... Prometia!

E sabem o que aconteceu com o primeiro episódio? Fiquei satisfeito. Superou as minhas expectativas e deixou-me capaz de dizer "estás perdoado, Moffat". Sim, foi assim tão mais incrível do que aquilo a que o argumentista já nos tinha habituado. Depois veio o segundo episódio, e a tendência manteve-se. O formato de two-parter assentou que nem uma luva, o tom das histórias tornou-se finalmente no tom certo, Capaldi esteve excelente e a Missy voltou. Nem sequer dei pelos tiques habituais, portanto tudo apontava que Steven Moffat tivesse aprendido a lição!

O desenrolar dos acontecimentos

O que aconteceu foi que as histórias, tirando duas, se mostraram boas. Realmente boas. Bem feitas, bem exploradas, bem montadas, bem escritas, bem tudo. As críticas continuaram a chover, mas a malta diz mal por tudo e por nada. Se não tem two-parters é porque não tem, se tem é por tem, se isto é porque isto, se aquilo é porque aquilo. Há sempre alguém a dizer violentamente mal de alguma coisa.

Já eu, que me considero um connoisseur de Doctor Who, fiquei bastante agradado. As histórias foram interessantes e cativantes, as personagens secundárias raramente foram mera carne para canhão, a personagem do Doctor evoluiu mas não se distanciou da oitava temporada de forma ridícula, e a direcção que a narrativa tomou esteve em sério risco de ser excelente.

Se houve um problema, para além da desgraça inenarrável de The Woman who Lived e da confusão de Sleep No More, foi a caracterização de Clara, que fez uma viragem brusca e agressiva e arriscou deitar tudo a perder. O que Moffat queria era forçar-nos a ideia de que depois de uma temporada a tornar-se cada vez mais parecida com o Doctor, Clara estava demasiado parecida com o Doctor e a tomar demasiado riscos.

Tudo envolvido numa nuvem de foreshadowing do fim da personagem. Mas as coisas correram bem. A personagem de Clara irritou-me, mas sempre me irritou um bocadinho. Foi então que chegámos a Face the Raven...


O princípio do fim

O décimo episódio, logo a seguir ao fraco e desnecessário Sleep No More, tinha de valer a pena. E valeu! Com algum do melhor e mais coeso storytelling a que a temporada teve direito, o regresso de um Rigsy bastante diferente da sua aparição em Flatline, na temporada passada, o regresso de Ashildr Me, que continuou supérflua, mas que pelo menos já foi interessante e relevante para o enredo, e inspirações potterianas um bocadinho por todo o lado, até eu fiquei surpreendido. O episódio foi bom!

Não só matou a Clara (finalmente!) como terminou de uma forma brutal: Me engana o Doctor de forma a ficar-lhe com a chave da Tardis e a teletransportá-lo para um destino incerto a mando de alguém. Isto logo a seguir à nova atitude excessivamente destemida de Clara lhe ter reservado um final trágico. Aquilo que surgiu foi um Doctor muito zangado, com Capaldi a conseguir transmitir uma fúria de 2000 anos com muito poucas palavras, um olhar mortífero e um tom de voz calmo.

Uma clara diferença relativamente ao Eleventh Doctor, com os seus grandes discursos e postura maior que o mundo. Mas igualmente eficaz, ou até mais, já que desde o Ninth Doctor de Christopher Eccleston que eu não via tanta fúria e tanta pesar na personagem.

O final termina com o Doctor a ser teletransportado depois de ameaçar abertamente Me e deixar prever o caminho negro que se preparava para seguir.


Uma obra-prima

A semana seguinte trouxe Heaven Sent, um clássico instantâneo e um dos melhores episódios de Doctor Who de sempre. Preso num castelo misterioso, com ares de Hogwarts, sem fazer a mínima ideia de como lá foi parar, e com um monstro igualmente misterioso a persegui-lo lentamente mas sem nunca parar, o Doctor não compreende o que se passa.

Os minutos que se seguem mostram que Moffat ainda tem muitas ideias primorosas dentro daquela cabecinha, e que vai ser sempre uma força a ter em conta no universo de Doctor Who. Um episódio em que a única personagem é o Doctor, com uma série de conceitos absolutamente fantásticos, e um loop muito à là Moffat... Não há como não ficar impressionado!

E depois vem o final. A grande revelação e a conclusão de que o sítio onde o Doctor chega, depois de escapar do castelo misterioso, é Gallifrey. Finalmente! Quase consegui ouvir as milhões de exclamações por esse mundo fora, por verem o planeta dos Time Lords a aparecer no programa (pós-2005), de forma decente!


Gallifrey falls... no more!

Hell Bent. O final da nona temporada, e o regresso de Gallifrey. O episódio que podia mudar tudo. Uma primeira metade absolutamente fantástica, com tudo aquilo que eu podia desejar... E uma segunda metade que arruina tudo. Depois de uma temporada inteira a conter-se, Moffat consegue trazer aquilo que tem de pior ao de cima, e torna toda a temporada e toda a carga emocional e de evolução da personagem do Doctor em algo sobre a Clara.

Sim, ouviram bem. Não é só Gallifrey que regressa, é também Clara, graças a um esquema duvidoso que deixa perceber que tudo o que se passou até agora foi apenas um plano elaborado para resgatar a resgatar. Haja paciência.

O final até não foi das piores coisas de sempre, mas Moffat trouxe Gallifrey de volta, introduziu uma série de personagens novas e de momentos interessantes, como a postura silenciosa do Doctor, que leva a uma revolução igualmente silenciosa que faz dele o Presidente de Gallifrey, graças ao seu estatuto de herói de guerra... Para depois se focar inteiramente na sua companion fetiche, que deve ser, em termos objectivos, a personagem mais importante e envolvida no canon de Doctor Who tirando o próprio Doctor.

Moffat conseguiu ser a criança birrenta que quer ter a mão em tudo, e fê-lo através de Clara, que não só entrou na timestream do Doctor para o salvar durante a sua vida toda, como conseguiu sacar regenerações aos Time Lords, inspirar um Doctor juvenil e agora ser o motivo pelo qual o Doctor chega a Gallifrey.

Nem tenho muitas razões de queixa do episódio: foi bom, de uma forma geral, mas podia ter sido excelente. Era só continuar na mesma onda da primeira metade, na mesma onda da temporada até ao momento... E Moffat estragou.

Mas pelo menos trouxe Gallifrey de volta. Espero é que seja algo mais permanente do que só para este episódio...


Conclusão

Por muito que me queixe, a temporada foi boa. Atrevo-me até a dizer que foi excelente. Não há nada como terminar tantos episódios a pensar "ah, caraças, assim vale a pena". Moffat esteve bem, apesar de tudo, e diz-se que continua para a próxima temporada. Desde que tenha tomates para continuar na mesma onda, mas com menos momentos como a última meia hora de Hell Bent, e ainda formar e escolher o seu sucessor...

O balanço final é que tem de ser positivo, por muito que me apeteça penalizar a temporada pelo descarrilamento final. Ainda por cima sou parcial, quando se fala desta série. O que é que eu posso fazer... Venham mais!

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Batman: Presa (Batman #6)


Argumento: Doug Mench
Arte: Paul Gulacy, Terry Austin, Steve Oliff
Tradução: José de Freitas, Filipe Faria


Opinião: Nada mau. A capa, excepcional, prometia. Mas ao abrir tive que refrear um pouco as minhas expectativas. A arte tinha aquele aspecto clássico relativamente banal que não me motiva por aí além. Mas ainda havia esperança para a história, como é óbvio.

Passadas algumas páginas tive que me considerar impressionado com a abordagem adulta e o vilão, Hugo Strange, um homenzinho estranho e peculiar que consegue entrar na mente do Batman de uma forma que poucos vilões alguma vez o conseguiram fazer.

Toda a história acaba por girar em torno disso: existe alguém que subverte os papéis e manipula várias pessoas, incluindo o próprio Batman, de forma a torná-lo, não pela primeira vez, na presa em vez de no predador.

Resulta bem pela eficácia. Strange descobre a identidade secreta de Batman, e percebe aquilo que o atormenta, trunfos que usa até à exaustão, e de forma aterradora. Torna-se interessante por inutilizar todo o arsenal psicológico do Batman, bem como pela forma como evidencia o jogo de poder entre Batman, Gordon, a polícia e os criminosos de Gotham.

No entanto não é um livro que me vá ficar na memória. E para essa parte a arte ajuda, ao não ser particularmente memorável. Mas o livro serviu para uma coisa: o Gordon é que devia ser o protagonista. História atrás de história vejo-me a gostar cada vez mais desta personagem, e a apreciar cada vez mais o seu papel em cada enredo. Isso sim, é impressionante.

sábado, 5 de dezembro de 2015

Festival The Padawan Wars


Estive ontem neste evento e fiquei ligeiramente desiludido e ligeiramente agradado. Desiludido por ver pouca gente, pouca publicidade, e nada no átrio. Nem uma banquinha sobre o evento. Dou o desconto de que já era o último dia e as últimas duas horas, mas mesmo assim...

O que me agradou foram as duas conversas: a primeira com o Luís Filipe Silva e a segunda com o David Soares. Assistir a uma palestra do primeiro é sempre um prazer, graças ao enorme conhecimento que demonstra ter, com facilidade, sobre o a ficção científica e o trabalho de ser um escritor.

Já as conversas com o segundo costumam variar de qualidade, mas desta vez esteve maioritariamente bem e foi bom ouvi-lo falar sobre a sua obra e os seus (misteriosos) projectos futuros.

Só não percebi a decisão de ambas as conversas terem formatos diferentes, com Luís Filipe Silva a fazer uma apresentação, e David Soares a responder a perguntas feitas por um moderador. Despropositado, no mínimo.

Resumindo, pareceu-me ser um evento pequeno, muito amador, mas bem intencionado. Era porreiro que se repetisse para o ano, mas não tenho muitas esperanças.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Os Crimes do ABC


Autora: Agatha Christie
Tradutora: Teresa Curvelo


Opinião: Excepcional. Eu sei que se torna repetitivo falar de Agatha Christie, já que os adjectivos raramente são diferentes: andam sempre à base de fantástico, impressionante e outras coisas que tais. Até se torna injusto para outros autores, mas a culpa é deles. Tivessem a capacidade que esta senhora tinha de contar uma história e não tinham razão de queixa.

Mas sim, também é verdade que não se pode medir a qualidade de Agatha Christie na mesma escala que se usa para os comuns mortais. Vou-vos falar desta história, em vez disso.

A verdade é que já há uns tempos que não lia algo da autora, e já há muito tempo que um livro não me deixava tão satisfeito com cada virar de página. Um assassino misterioso que mata por ordem alfabética e que envia cartas estranhas directamente a Poirot, a anunciar os próprios crimes? Isto é esperto de maneiras que vocês nem imaginam!

Os Crimes do ABC também é o primeiro livro da dupla Poirot e Hastings que me lembro de ver a misturar as passagens do ponto de vista de Hastings e passagens na terceira pessoa, de um ponto de vista impessoal e desligado de todas as personagens principais habituais. E funciona estranhamente bem.

Poirot parece estar mais à nora do que o habitual, especialmente por algo que ele chega mesmo a dizer: este crime não é o habitual crime pessoal, mas sim uma estranha série de crimes altamente impessoais. Ou pelo menos assim parece! Foge ao tipo de coisas que Poirot e Hastings estão habituados a resolver, assim como foge ao tipo de coisas que Agatha Christie costumava escrever!

A resolução final tem alguns pormenores um bocadinho estranhos, mas nada demasiado fora do normal, e tem uma conclusão que funciona. Não podia pedir mais. Foi mais do que suficiente para me deixar satisfeito com a qualidade habitual de Agatha Christie e uma história que me cativou ainda mais do que o costume!

quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

A Contadora de Filmes


Autor: Hernán Rivera Letelier
Tradutora: Regina Louro


Opinião: Não conhecia o autor. Nunca tinha ouvido falar do livro. Era pequeno, era extremamente barato, e fazia parte de uma promoção. Veio por arrasto. Ficou enfiado nas minhas prateleiras a ler durante bastante tempo, nunca lhe prestei particular atenção, e se me perguntassem "tens o livro A Contadora de Filmes?", até era capaz de dizer que não.

Um livro com todo o potencial para me passar completamente despercebido, portanto. E o que sucedeu depois? Precisava de algo pequenito entre leituras, um livro do qual nem exigia muito: apenas um aglomerado de páginas para satisfazer a minha obsessão com a palavra escrita.

Foi então que decidi pegar neste livro. E como acontece com muitas das leituras para as quais parto com baixas expectativas... Gostei bastante!

A história é simples, bonita, bem escrita e bem contada... É impressionante. Especialmente o contraste que existe entre as duas metades do (já de si) pequeno livro. Começa tudo muito bem, muito tranquilo, muito singelo, e depois começam-se a vislumbrar as pequenas nuances negras da miséria, habilmente disfarçadas pela simples alegria de quem está satisfeito com o que tem.

A segunda metade do livro é uma ligeira espiral de descida ao pior que existe no ser humano e na Humaidade de uma forma geral. Dito assim parece pior do que é na realidade. O livro é pequeno e realmente não aprofunda assim tanto estas questões, mas o autor não deixa de o fazer, e de uma forma tão inteligente que o livro até parece maior.

No fim fica uma história que vale a pena ler, sobre uma pequena rapariga que gosta de contar histórias.

segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Scott Pilgrim no seu melhor (Scott Pilgrim #6)


Autor: Bryan Lee O'Malley
Tradutor: Renato Carreira


Opinião: Uma boa forma de encerrar a saga! Um livro maior do que os outros cinco, em que tudo descamba da melhor forma possível. A personagem de Scott continua a irritar-me, foi um choninhas até ao fim, de sorte em sorte, sempre completamente incapaz de fazer o que quer que fosse. Deram-lhe tudo e fizeram tudo por ele. Enfim.

Mas a melhor personagem revelou-se a Kim, que brilha a todos os níveis possíveis neste volume. É a demonstração final de que o Scott Pilgrim é o protagonista porque sim, já que Kim é uma personagem infinitamente mais interessante.

No entanto é de louvar que depois dos últimos livros me terem desiludido ligeiramente, este eleva novamente a fasquia, e até nem me chateava se a saga continuasse. O humor continua parvo, e o surrealismo continua aparentemente aleatório, como bom surrealismo que é, mas a caracterização das personagens ganha um novo fôlego. Esse facto é impressionante por si só, já que muitas delas tinham perdido grande parte do interesse.

Scott Pilgrim no seu melhor é assim uma boa forma de terminar a saga, e que de certa forma consegue compensar a menor qualidade de alguns dos livros ali pelo meio.

sábado, 28 de novembro de 2015

Ler em diferentes línguas

Uma das coisas que mais gosto de fazer é aprender línguas. Além do óbvio português, já sinto o inglês como uma segunda língua, e ando a dar os primeiros passos no alemão. Sei as bases muito bases do mandarim, sei algumas palavras em francês e italiano, e não costumo ter problemas a perceber castelhano.

Mas ler, ainda só leio em português e em inglês. E já noto diferenças significativas. Torna-se fácil de perceber que nos chamem um país de poetas (embora sejamos muito claramente um país de contistas), já que a nossa língua se dá tão facilmente a tantos malabarismos líricos. É possível brincar com o tamanho e o ritmo da frase de uma forma que é impossível em inglês.

Essa língua, mais utilitária, preza as frases curtas e mais directas. O português é construído de metáforas e outras figuras de estilo. É de facto mais fácil escrever poesia em português do que em inglês, já que as nossas frases são tão mais flexíveis do que as dos ingleses/americanos/por-aí-fora.

Nem sequer quero imaginar a desgraça que é traduzir de uma língua para a outra. De inglês para português até pode ser só acrescentar mais pontos finais e parágrafos, mas fazer o caminho inverso é pedir um bilhete para a loucura. Não deve ser fácil para o pobre tradutor que tem de decepar e subdividir algo que, provavelmente, vai deixar de ter o efeito que era suposto.

Mas se há algo que me interessa ainda mais, é falar sobre as línguas que conheço mal. É uma coisa um bocado misteriosa. Como será ler em alemão? Os meus instintos dizem-me que será uma leitura com mais ênfase nas coisas importantes e muito pouca paciência para tudo o resto. E em italiano? Os meus instintos dizem-me novamente que deve ser algo mais melodioso, que jogue imenso com o ritmo.

Só que eu sei lá. E nem quero imaginar como é que um estrangeiro percepciona leituras portuguesas. Muito provavelmente com o mesmo ar com que eu ficaria depois uma leitura em grego: perplexo. Deve ser algo tão completamente alienígena que nem consigo imaginar. No entanto é algo que considero essencial para realmente perceber um livro. Não só lê-lo na sua língua nativa, como estar relativamente à vontade com a língua.

Ler Saramago ou Pessoa ou outro autor lusófono qualquer, mas traduzido para inglês, por exemplo, deve ser uma experiência bem diferente. Claro que a mensagem e o sentido daquilo que se conta passa, se calhar até melhor do que na nossa língua, mas fica a faltar o ritmo, as brincadeiras com as palavras, os tiques sintácticos que nos são tão próprios...

E a mesma coisa para ler inglês (ou outra língua qualquer) traduzida para português. "Once upon a midnight dreary" nem sequer soa bem, quando traduzido, e é o início de um dos poemas mais famosos e mais valorizados da língua inglesa , The Raven, de Edgar Allan Poe.

Não é fácil. E tanto considero um factor importante, o de ler numa língua ou noutra, que ler encaro a leitura de um livro em duas línguas diferentes quase como dois livros diferentes. Já o fiz algumas vezes, e para mim é mesmo como estar a ler um livro diferente.

Portanto torna-se fácil de perceber qual é uma das minhas razões para querer aprender uma série de línguas que não lembram a ninguém, desde o latim e o grego, ao russo e outras que tais. Quero experienciar certas obras na língua em que foram escritas.

Dito isto tudo, e como nota final, fica um grande apreço da minha pessoa pelos tradutoras e pelos tradutores por esse mundo fora, que têm a tarefa ingrata de traduzir o intraduzível, e ainda ouvir os leitores a queixarem-se!