segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Supernatural [T10]


Há coisas que não sabem quando acabar. Piadas britânicas, actualizações do Windows e esta série. São aquelas coisas que começam, até podem conseguir atingir um certo nível de brilhantismo, mas depois insistem e continuam a arrastar-se de forma indefinida, como se quisessem propositadamente estragar tudo.

E se no humor britânico isso já é esperado, e faz parte do ADN da coisa, e nas actualizações do Windows não há nada a fazer a não ser fugir desse sistema operativo (viva o Linux!), a esta série só lhe está a fazer mal.

Os planos iniciais eram só até à quinta temporada. Foram cinco fantásticos conjuntos de episódios, a terminarem de forma espectacular, ligeiramente inesperada, e mais ou menos inovadora. Não teve um final feliz, mas sim um final compreensível e com lógica. Tudo estava bem nesse longínquo ano de 2010.

Hey Lucifer, não queres voltar e acabar com a miséria do programa?
Foi então que decidiram continuar. Como é óbvio, a qualidade nunca foi a mesma, e o facto de há dois ou três anos terem dito "temos planos até à décima temporada", e agora estarmos à espera de uma décima primeira, é mais do que indicativo da forma como estão a fazer a série. Temporada atrás de temporada de "então e agora, o que vamos inventar?".

Nessa quinta temporada, cinco temporadas atrás, já tinham praticamente todos os bons elementos da série: o Dean, o Crowley, o Bobby, o Castiel, e enredos fortes. Até conseguiram, no último episódio, verem-se livros do Sam! Perfeito! Tirando o facto do episódio seguinte começar logo com o Sam de volta, sabe-se lá como. Apresentaram mais família dos irmãos Winchester, novas ameaças cada vez mais idiotas e incapazes (o plano dos Leviathans em junção com a loucura passageira do Castiel foi das coisas mais ridículas de sempre), e conseguiram arrastar a relação entre Dean e Sam até ao ponto em que parecem uma paródia deles próprios.

Sempre que há um momento de partilha entre os dois, eu rio-me. Não há outra reacção possível.

Chacina-os e fica com a série para ti Crowley, tu mereces.
Para terem noção, nesta temporada o Dean, depois de morrer no final da temporada anterior, regressa como um demónio, graças a uma marca que tem no braço e que lhe foi dada por Cain, o homicida original, e anda por aí a fazer porcaria, mais o Crowley, satisfeitos da vida. Mas sabem o que é que acontece mais? Há uma personagem que regressa de Oz (não estou a brincar), aparece a mãe do Crowley (continuo a não estar a brincar) que é a bruxa mais poderosa de sempre (a sério), Sam consegue humanizar Dean (como é óbvio), e o mais parecido que há com uma nova ameaça são os Styne, que são na realidade a família Frankenstein (yap, isto acontece).

É isto. Não preciso de mais argumentos, para apontar o ridículo da situação, e é uma pena que esta série se tenha tornado nisto. Até voltei a ter algumas esperanças com o último episódio, em que Dean, incapaz de resistir à marca de Cain, que o está a transformar não tão lentamente quanto isso num selvagem sedento de sangue, faz um acordo com a Morte: ele mata o Sam (yay!) e a Morte envia-o para um planeta longínquo, onde não possa fazer mal a ninguém. Dean não pode morrer, graças à marca, portanto isto era um final duplamente agonizante, chocante e bom! Mas querem saber o que é que acontece?

Depois de tantas situações em que não fazem o que está certo para se salvarem um ao outro, e isso dar muito para o torto, o Dean arrepende-se do seu acordo, e MATA A MORTE! Não, a sério, ele mata-a com a sua própria foice. Mas calma, que felizmente o feitiço que a mãe do Crowley e companhia andavam a preparar para tirar a marca funcionou, e o Dean está livre! Só que no processo, libertaram a Darkness, que é uma nuvem gigante de fumo negro que aparece no horizonte e atropela os irmãos, seguros dentro do Impala.

O vilão da próxima temporada é uma nuvem de fumo. Era só isto.
Triste, é só triste. A única vantagem disto é que nunca ninguém vai fazer uma paródia desta série: ela já existe e chama-se as últimas cinco temporadas.

sábado, 29 de agosto de 2015

No meu tempo não havia tablets


Um dia destes estava num centro comercial, descansado da vida, mais a minha namorada. Depois de jantarmos, e ao saírmos da zona dos restaurantes, demos de caras com uma situação que nos chocou ligeiramente: uma criança, com não mais que 3 anos, estava a jogar num tablet enquanto os pais comiam, conversavam, e a ignoravam.

A primeira coisa em que pensei foi: "raça dos putos, já nascem a saber mexer nisto tudo". Sim, sou um puto novo, mas lembro-me perfeitamente de quando um computador era algo que o meu pai usava e que tinha um ar estranho.

Pois é, sou novo, sou novo, mas sou duma geração intermédia que descobriu essas tecnologias quando elas estavam na pré-adolescência. A novidade efusiva já tinha esmorecido, mas ainda era algo muito longe de cumprir plenamente o seu potencial.

Como tal, desenganem-se, eu não nasci a mexer em computadores, e posso dizer que não havia smartphones e tablets no meu tempo. Ah!

As minhas primeiras aventuras com computadores foram desastradas, no mínimo, e o meu momento de maior glória foi conseguir guardar todos os meus textos da altura num conjunto de disquetes!

(o fascínio por disquetes mantém-se, já agora)

Mas voltando ao miúdo com talento para tablets, a segunda coisa em que pensei foi numa reportagem da TVI, se não me engano, que passou há uns dias, relativamente extensa e muito claramente desastrada, em que se falava exactamente destas coisas: putos e tecnologias.

Em defesa da reportagem, gostei da tentativa de ouvir os dois lados, e de pelo menos tentar ser imparcial e objectiva. Infelizmente estamos a falar da TVI, um sítio onde o bom jornalismo abunda tanto como elogios à arbitragem num jogo de futebol.

Os dois casos apresentados de que me lembro, apesar de aparentemente antagónicos, são igualmente idiotas e prova de pais irresponsáveis.

Num, uma mãe castradora (ou pai igualmente castrador, não me lembro) fez questão de deixar bem explícito que as filhas jogavam no tablet e iam à internet uma quantidade de tempo limitada, obedecendo a certas regras, e sempre sob a supervisão de um adulto.

No outro caso, um jovem casal faz o seu melhor para ser fixe e moderno, mas responsável, e explicam que não proíbem, mas mostram alternativas melhores. Que o miúdo estar no tablet funciona como distracção e não lhe faz mal nenhum, desde que tenham cuidado para não ficar vidrado.

Vamos ao primeiro caso. Nem vale a pena discutir muito. Acho que já está mais do que comprovado que demasiadas restrições "porque sim" não dão bom resultado. E num caso destes vai criar mais vontade de brincar no tablet.

O segundo caso é mais subtil, mas é praticamente igual ao caso do miúdo que vi no centro comercial, só que disfarçado. Resume-se num simplista "mantém o puto distraído, portanto deixa-o brincar com isso à vontade".

Ambas as posições são perigosas e, do meu ponto de vista, erradas. Por um lado a ideia que existe sobre o efeito pernicioso dos tablets, dos computadores e da internet, é mais do que errada. Essas tecnologias são bodes expiatórios dos maus pais, nada mais, porque na prática são brinquedos e ferramentas como as outras.

Qual é o problema dum puto passar quatro horas a jogar no tablet? Eu chegava a casa depois de almoço e ficava deitado na cama a ler até ao jantar. E nunca ninguém me proibiu de ler. Porque é que uma coisa é aceitável e a outra não? Acreditem que eu, como defensor acérrimo de tudo o que tenha a ver com leituras (excepto o Pedro Chagas Freitas e a Chiado "editora"), prefiro um livro a um tablet, para mim ou para qualquer pessoa! Mas não é obrigatório.

Às vezes também me divirto mais, em certas alturas, a jogar qualquer no telemóvel do que a ler mais dez páginas. Já vos oiço a dizer que a leitura estimula o intelecto e o cérebro, e é verdade, e é muito melhor do que jogar o que quer que seja, mas isso não quer dizer que jogar seja estupidificante.

Já jogaram Cut the Rope? Ou Two Dots? Ou Minesweeper3D? Experimentem e vejam se não desenvolvem o intelecto! É claro que jogar Fruit Ninja, ou aqueles jogos de vestir e maquilhar, estupidifica um bocado, mas na literatura por cada Mia Couto há um André Amaral, e por cada Fahrenheit 451 há um livro do José Luís Peixoto. Coisas más e coisas boas, nos livros, nos filmes, nos jogos e na tecnologia.

Sabem qual é que é o problema? Nunca ninguém me deu um livro, ou me pôs a ler para ver se eu parava quieto ou ficava calado e não chateava. Nunca li durante as refeições com outras pessoas. E nunca me arrancaram um livro da mão, nem o deixaram na mesa à minha frente e disseram "não, não, agora vês televisão connosco".

Eu sei bem que pode não ser assim tão simples, e que há perigos associados às tecnologias, especialmente à internet, que pura e simplesmente não existem nos livros, mas permitam-me a ligeira generalização. Vocês percebem o que eu quero dizer e percebem as nuances que ficam por clarificar.

Os miúdos daquela reportagem, assim como o que eu vi entretidíssimo com o tablet, sofrem do mal de não verem os tablets como mais um brinquedo, ou mais uma actividade, mas sim como O brinquedo e A actividade. Aquela coisa que podem fazer se se portarem bem. Ou se se portarem demasiado mal.

No meu tempo davam-se doces para o primeiro caso, e chupeta para o segundo. Hoje passa-se um tablet. De quem é a culpa? Da maldita tecnologia? Dos filhos tão perigosamente viciados que até já querem definir o "abuso de internet" como um distúrbio mental? Não.

É dos pais. Os maus filhos estão é a ser educados por maus pais, que preferem o facilitismo da tecnologia a terem trabalho. Deixem-se é de tretas, deixem os miúdos brincar à vontade, dêem-lhes atenção e ensinem-lhes boa educação. Eu não me saí mal e "perdi" muitas das minhas horas de infância activamente a não ir para a rua brincar, nem a andar sempre aos pulos que nem um chimpanzé a andar sobre carvão em brasa. Porque é que os miúdos de hoje hão-de ser diferentes?

sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Tehanu - o nome da estrela (Ciclo de Terramar #4)


Autora: Ursula K. Le Guin
Tradutor: Carlos Grifo Babo


Opinião: Uma narrativa cansada. Uma das personagens mais interessantes que já vi reduzida a um velho tímido e virtualmente inútil. Personagens femininas, fortes e interessantes, claramente as protagonistas, reduzidas a uma velha queixosa e uma criança quebrada.

Eu sei que a protagonista, anteriormente protagonista do segundo livro, Os Túmulos de Atuan, é mais do que uma velha queixosa, mas foi isso que me pareceu. Toda a história está forçada, especialmente o povo meio dragão meio humano, que tem um papel preponderante no enredo, mas acerca do qual nunca ouvimos falar até meio deste livro.

Fiquei seriamente espantado com a fraca qualidade deste livro, que não me encheu as medidas, nem de perto nem de longe. Mais valia a saga ter acabado como uma trilogia, não era perfeita, mas era melhor do que esta tetralogia, isso de certeza.

O grande problema, ao contrário do resto da saga, não é a falta de acção, mas sim a falta de acção razoável. Tudo o que acontece é um bocado aleatório. As motivações das personagens são, no mínimo, dúbias. As causas do que acontece são estranhas e raramente explícitas. Acaba por não haver um fio condutor, que guie o leitor pela história.

Há, em vez disso, uma protagonista presa entre o seu papel de fêmea obediente e mulher lutadora, a deambular pelo enredo da forma mais confusa e ziguezagueante possível. A sua constante inacção contrasta com a sua omnipresente noção de que devia estar a fazer alguma coisa.

Já não tinha gostado na personagem no primeiro livro que lhe foi dedicado, mas neste ainda me aborreceu mais. Nesse outro, ela era pouco mais do que uma criança; neste, é mais do que adulta, com idade para ter juízo. E ainda assim... Nem por isso.

Uma pena. Vou voltar a virar-me para a ficção científica de Le Guin, que a fantasia não me cativou por aí além.

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Sabor Internacional (Tony Chu - Detective Canibal #2)


Argumento: John Layman
Arte: Rob Guillory
Tradução: José Hartvig de Freitas


Opinião: Há tanta coisa incrível a acontecer neste livro que nem sei por onde começar. As habilidades especiais relacionadas com comida continuam a aparecer - e são geniais. Uma personagem regressa com melhoramentos cibernéticos e faz algo inesperado e chocante que nunca ninguém vai adivinhar até ver o que é. E as dicas de arcos narrativos e personagens ainda por descobrir continuam a empilhar-se umas nas outras.

Vejamos. Tony Chu, o detective canibal que tem visões do passado daquilo que come, continua na sua heróica demanda de, simplesmente, viver sossegado. Mas um trabalho árduo, e frequentemente nojento, um parceiro esgrouviado, um chefe impossível de aturar, um irmão irresponsável e montes de peripécias que insistem em cair-lhe no colo, o homem não tem a vida fácil.

E é incível a quantidade de manigâncias em que é possível ele envolver-se por casa de frango. Seja um fruto que sabe a frango ou um galo de luta desaparecido, tudo é possível. Já mencionei o vampiro e o cozinheiro que fala através da comida que cozinha?

Pois é. Caríssimos, isto é uma leitura leve, engraçada, silly até, mas não é de todo uma má leitura. Antes pelo contrário. O argumento desenvolve-se bem, a arte integra-se bem, e ambas as coisas conseguem ter um delicado equilíbrio entre o humor mais visceral e as cenas mais negras e dramáticas. Um regalo para os olhos e para a imaginação.

A mim fascina-me particularmente que alguém tenha conseguido criar um mundo tão parecido com o nosso, e ainda assim tão diferente, com ideias tão simples e originais. Pode não ser a primeira coisa em que se repara, mas há aqui verdadeira genialidade imaginativa. Só por isso já vale a pena acompanhar, mas a história é genuinamente interessante, e as várias pontas já deixadas soltas apenas cativam mais e mais. Ou seja: mal posso esperar pelo próximo volume!

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Sepulturas dos Pais


Argumento: David Soares
Arte: André Coelho


Opinião: Abençoados sejam os deuses que vocês preferirem: mais uma obra recente de David Soares que me agradou! A arte de André Coelho, excelente, contribuiu bastante, mas o argumento agradou-me genuinamente.

Começando pela pior parte, vou já deixar bem claro que detestei o final. Para mim foi como ver um sketch de humor que não sabe quando acabar, e continua e continua e continua, bem para lá daquilo que é engraçado - ou, neste caso, daquilo que é bom.

Mas pronto, deixemos isso. Vamos focar-nos no enredo, interessante, retorcido e negro, mas também esperançoso, de certa forma. Nunca nada é demasiado explicado, nem nunca nada fica muito claro, mas as narrativas entrecortadas funcionam bem e contam a história toda. Pelo menos a que o leitor precisa de saber.

David Soares consegue "brincar" muito a sério com a acto de dar vida, e cria metáforas excelentes com as criaturas de areia que o protagonista consegue criar, de forma tão simples. E mesmo com um tema destas, a história consegue ser surpreendentemente negra e agressiva, como é apanágio de algo escritor por este autor.

A arte de André Marques é um excelente complemento (por favor não se inibam de voltar a colaborar), tão ou mais negra que a escrita de David Soares. Os diálogos sofrem, muitas vezes, de excesso de davidsoarismo, mas já nem é defeito, é mesmo feitio, e como o livro se mantém coerente, isso acaba por não destoar demasiado.

Já a noção que dá origem ao título, as sepulturas dos pais, é um bocado forçada, e acho que o livro só tinha em ganhar se o autor tivesse deixado essa ideia de parte, e se tivesse focado noutras coisas. Felizmente nunca exagera, e esta ideia, ainda que importante e central, mas também vaga e secundária, não polui nada.

Resumindo, é bom ver Soares a produzir material de verdadeira qualidade, depois de algumas francas desilusões. Venham mais assim.

sábado, 22 de agosto de 2015

Regras, limites e moderação


Escrever não é fácil. Sei-o por experiência, a pouca que tenho. Um leitor muitas vezes não tem noção das horas, dias, semanas, meses e até anos que estão por detrás de determinado livro. Lemos, descansadinhos da vida, sentados no sofá ou deitados na cama, e criticamos uma vírgula mal posta ou uma personagem mais fraca com a facilidade e o desprezo de quem fazia melhor.

E se calhar até fazíamos. Eu, que tenho problemas em usar as vírgulas da melhor maneira, e que tenho um dom para a ocasional personagem unidimensional, dou por mim a ler algo e a pensar “que caraças, isto devia estar de outra forma”. E até tenho razão algumas vezes, como a maior parte dos leitores tem muitas vezes. Se há erros e coisas mal feitas, é preciso apontá-las, para que possam ser melhoradas. Sem sombra de dúvida!

Mas também é preciso ter noção que a escrita não é pêra-doce. Enfrentar uma página em branco, já a saber que cada palavra ali escrita há-de ser lida e escrutinada por alguém, não é uma tarefa simples. Acabar um texto, seja um conto de duas páginas ou um romance de quinhentas, pode ser ao mesmo tempo um alívio e uma enorme causa de ansiedade.

No entanto, se querem algo mesmo complicado, experimentem escrever a chamada “literatura de género”, que é assim chamada porque já sabemos que só os livros intelectuais que retratem dramas da vida real com palavras delicodoces é que são dignos de serem literatura a sério, e estão sempre tão perto de serem obras-primas que nem se inserem num género.

Enfim. Como estou a escrever para pessoas inteligentes, vamos usar os nomes certos: experimentem escrever dentro do Fantástico. Seja ficção científica, fantasia, terror, ou qualquer subgénero e/ou variação que conheçam, descubram, ou inventem. A primeira dificuldade é que não há muitos leitores casuais inseridos nestes géneros (nem gosto de lhes chamar géneros por si só, mas isto é conversa para outra altura), da mesma forma que os há na literatura mainstream (espero que gostem de ser todos enfiados no mesmo saco de desprezo, como costumam fazer aos outros).

Estamos a falar de literaturas de nicho, apreciadas por um grupo mais restrito de leitores, mas também por isso, mais selecto. Pessoas de gostos apurados, frequentemente especializadas numa ou duas vertentes do Fantástico, que conhecem e já leram muita coisa.

É fácil de perceber: imaginem que escreveram um livro. Acham que é a vossa obra-prima, o livro que vai perdurar na História da Humanidade muito depois de vocês e os vossos descendentes desaparecem da face do planeta (isso é que são expectativas altas!). Estão plenamente convencidos de que o livro está perfeito e que vai vender que nem paus de selfie no Bairro Alto. Quem é que preferem que o leia? Um leitor casual, que lê dois ou três livros por ano, todos durante o Verão, na praia, com um olho no livro, outro nos corpos desnudados, os pés na água e uma bola de berlim na mão; ou o leitor obsessivo, que já despachou uns vinte calhamaços e ainda nem entrou de férias, capaz de recitar todos os punks por ordem alfabética, de applepunk a zebrapunk?

Escolham como quiserem, mas ficam a saber que se escolherem a segunda opção vão ter uma avaliação muito mais completa e, sem sombra de dúvida, muito mais picuinhas. Vão-se arrepender da tarde de escrita em que pensaram se “o carro era azul-marinho com tons etéros, ou azul-celeste com laivos aquáticos”, e concluíram que “bem, não interessa, pormenores”. Porque o segundo leitor vai reparar e vai acusar-vos de inconsistência narrativa.

Sim, eu sei que estou a exagerar um bocadinho, mas é só um bocadinho. Os grandes aficcionados de literatura de Fantástica são máquinas de detectar imprecisões, influências e semelhanças. Fazem-no muito bem e isso raramente se torna desagradável, embora as discussões, das bem feias, existam. Nunca me senti mal no meio desta comunidade, nem como ávido leitor nem como aspirante a escritor amador (aspirador a escritor, como diz a minha namorada).

E como tal, a malta que escreve Fantástico é que tem a vida tramada. E porquê? Porque os leitores que enfrentam em maior número são aqueles que acabei de descrever, atentos, rigorosos e que exigem do que lêem uma qualidade equivalente à sua devoção ao género. E porque o fazem com livros com uma forte componente inventada, não no sentido de inventar uma personagem que se apaixona por outra, ou de inventar um acidente que nunca aconteceu, mas sim o de inventar mundos novos, características novas, intricados sistemas de magia, complexa maquinaria e tantas outras coisas que não cabem em simples lugares-comuns.

Todas estas coisas são difíceis de fazer, ao contrário do que se possa pensar. Não é só escrever “e então o meu protagonista genérico usou a espada mágica que não só cortava os malfeitores como tudo o que lhe aparecesse à frente, e que só menciono agora porque não foi precisa até este ponto”. É preciso que a mentira que se escreve, maior do que na literatura mainstream (saco de desprezo, continuam a gostar?), seja consistente. Mais do que credível, consistente com a sua própria lógica. Convenhamos, homenzinhos verdes nunca vão ser credíveis, e muito menos velhotes de barbas compridas a disparar raios de luz das mãos.

Mas se estiverem de acordo com as regras do universo do livro em questão? Basta ser-se meio escritor e cumprir isso, e têm-se os leitores agarrados e a pousarem o livro para discutirem como é que se conseguem fazer viagens inter-espaciais com o vosso sistema de magia.

O que é que isto significa? Que os livros que se consigam descrever como “festivais de magia” ou “feiras de parafernália tecnológica” estão condenados a falhar. Muito simplesmente porque num livro em que a magia seja algo desregrado e aparentemente sem grandes limites, é difícil fazer com que um obstáculo no enredo não seja inverosímil, da mesma forma que num livro em que haja gadget multi-funções para tudo e mais alguma coisa.

É por isso que a consistência é tão importante. E também os limites, como já se percebeu. Podem haver excepções, é claro, mas é difícil. O deus da Bíblia é ao mesmo tempo bondoso, omnipotente, omnipresente e omnisciente, e ainda assim já viram a quantidade de desgraças que há por ali? Não faz sentido! O John Cena, ainda no tempo em que eu acompanhava o wrestling da WWE, não tinha problemas em atirar a montanha que é o Big Show pelo ar, mas caiu várias vezes a tentar fazer o mesmo ao Umaga, bem mais pequeno (mas ainda massivo, sim). Não faz sentido! E nem quero pensar muito em Doctor Who, que deve ter uma das narrativas mais inconsistentes da história da inconsistência.

Em termos simples, é melhor ser-se discreto. Magia, sim, mas com regras, limites e moderação; gadgets, sem dúvida, mas com regras, limites e moderação. E o mesmo se pode aplicar a tudo o resto que possam imaginar. Não é preciso ser-se tão discreto como George R.R. Martin, que tem uma magia tão discreta em A Song of Ice and Fire que os livros até passam por história medieval alternativa, mas que já está a conseguir frustrar os fãs. Mas sim, regras, limites e moderação.

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

A Praia mais Longínqua (Ciclo de Terramar #3)


Autora: Ursula K. Le Guin
Tradutor: Carlos Grifo Babo


Opinião: Sem dúvida um dos mais interessantes do Ciclo de Terramar, este A Praia mais Longínqua fracassa. É que inverte completamente as minhas expectativas. Começo a ler, e sim senhor, vamos lá, fico um bocado chateado de ter perdido tanto tempo de vida da personagem mais interessante, mas pronto, siga. Depois tudo evolui muito bem, tranquilo, uma boa história como se quer. Até chegar ao fim. As últimas páginas são sofríveis, e não só quase anulam o interesse do resto do livro, como me tiraram a maior parte da vontade de acabar de ler a saga.

Voltamos a encontrar Gued, mais velho e já Arquimago, numa altura em que a magia está lentamente a desaparecer de Terramar. Um jovem princípio, Enlad, encontra-o e diz-lhe que é preciso resolver a situação. Partem os dois em busca da solução, ou pelo menos do problema.

O primeiro ponto de forte do livro, e o mais bem explorado, é sem dúvida o mistério do desaparecimento da magia. O que raio pode estar a acontecer de tão tumultuoso que até o poder dos magos se vai esvaindo? Mas aquilo que o livro tem de mais cativante é a interacção entre Gued e Enlad, o Arquimago idoso que faz muito pouco uso da magia, e o jovem princípe que ainda tem muito que aprender.

Pelo caminho encontram personagens interessantes, que merecem o destaque que lhes é dado, quase todos ex-magos ou ex-bruxas, enlouquecidos e enlouquecidas pela ausência das suas artes, mas principalmente devastados. E isso é algo que Le Guin retrata exemplarmente, a desolação de alguém que perde as faculdades, como a de alguém com Alzheimer que tem consciência de estar a perder a sua mente.

Mas a veia antropológica da autora também tem direito a algum destaque, em particular com o fabuloso povo das jangadas que Gued e Enlad encontram para lá das terras mais longínquas do arquipélago. Mereciam um livro só para eles! A autora consegue, nas poucas páginas em que aparecem, dar a entender o funcionamento de uma sociedade radicalmente diferente da nossa, habituada a viver em alto mar, em jangadas gigantescas. É fascinante.

E também há dragões. Não falha.

O que falha é o final. A explicação do “mistério” não é grande coisa, e o “confronto” final, tão antecipado, arrasta-se mais do que devia, e de forma ridícula. Não é realmente um confronto, mas sim, novamente, uma espécie de conversa anti-climática. De tal forma que aquilo que me apetecia era regressar às outras linhas narrativas presentes no livro para saber mais sobre os Mestres de Roke, o povo das jangadas, os dragões, a tintureira desolada e tantas outras personagens com muito mais interesse do que qualquer coisa que tenha acontecido nas últimas páginas do livro.

No final fiquei com a opinião de que não é um mau livro, apenas um livro agradável com um final péssimo. A vontade de continuar para o seguinte é pouca, que a sensação é a de que me ando a arrastar por estas páginas, mas só falta esse, portanto lá há-de ser!

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Doctor Who [T8]


A oitava temporada da série é a segunda com Jon Pertwee no papel de Doctor, já completamente entregue à personagem. A naturalidade com que a encarna é extraordinária, e não envergonha a crueza da representação de William Hartnell, nem a versatilidade da representação de Patrick Troughton.

Ao mesmo tempo, esta temporada é importante para a série por várias razões: introduz o Master, introduz Jo Grant como nova companion, revela muito sobre o Doctor e volta a pô-lo a bordo da Tardis, e tem algumas das histórias mais espectaculares da série, largamente vistas como excelentes pelos fãs: logo a primeira, Terror of the Autons, e a última em particular, The Daemons.

Eu achei que todas as histórias estiveram bastante acima da média, o que não é fácil nesta série. Acho que a redução de número de histórias por temporada, na transição de Troughton para Pertwee, foi uma boa jogada, que permitiu ter temporadas mais equilibradas e menos cansativas.

A primeira história, como já disse, é Terror of the Autons, que reintroduz os icónicos Autons, vilões que regressariam para atormentar o Ninth Doctor de Christopher Eccleston, no primeiro episódio da nova série. E logo ao início, o primeiro defeito, que muito me chateou: a companion da sétima temporada, Liz Shaw, por muito instável que fosse enquanto personagem, simplesmente desapareceu de cena, para ser substituída por Jo Grant, e ainda por cima com uma desculpa ligeiramente idiota (ainda que ligeiramente legítima).


É uma pena que uma personagem tenha sido assim tratada, mas Doctor Who tem um longo historial de tratar mal alguns actores, por um motivo ou por outro. O outro problema aqui foi que a nova companion era muito fraquita. Uma personagem irritante, vagamente interessante, mas que ficava em apuras praticamente uma vez por episódio, sem acrescentar absolutamente nada à acção, nem ao enredo.

Ao mesmo tempo, esta é a primeira história em que o Master aparece, interpretado pelo incrível Roger Delgado, e não tem direito a uma introdução decente. Gostava de ter visto algo mais calmo, que desse tempo para nos habituarmos à personagem, antes de estar a confrontar o Doctor. É que Delgado tem uma representação muito intensa, e o Master tem realmente um ar pérfido e carismático, mas parece que foi enfiado à pressão na história.

Os episódios, no entanto, desenrolam-se bem. Estão bem feitos e têm um bom argumento, o que também não era tão fácil quanto isso, nos primórdios da série. Gostei particularmente de ver Pertwee e Delgado a interagir, ambos excelentes actores com excelentes personagens, e a demonstrarem um fantástico funcionamento conjunto.

Nos momentos finais, o Doctor troca uma peça da Tardis do Master pelo equivalente da sua própria Tardis, que está avariada, e lança assim o primeiro arco narrativo a sério do programa. De tal forma que o Master volta a aparecer em todas as histórias desta temporada!


Mas antes disso, vamos à segunda história, The Mind of Evil, que tem uma boa premissa: uma prisão usa uma máquina que extrai o Mal dos criminosos, com o intuito de os reabilitar. Os resultados não são muito bons, já que a única coisa que conseguem é que algumas pessoas morram, literalmente, de medo. O que também é uma boa ideia e uma boa utilização do conceito desta história.

E é aqui que se descobre algo muito interessante sobre o Doctor, que quando confrontado com a máquina que confronta as pessoas com os seus piores medos, vê fogo. Não sei de nenhuma razão em particular para isto, e tenho esperanças que o assunto ainda seja abordado, mas é interessante! O Doctor, que já viu, viveu, e enfrentou tanta coisa, tem medo de fogo. Pode até ter sido uma escolha pouco pensada e semi-aleatória da produção, mas funciona perfeitamente que o homem que tantas adversidades já venceu, muitas vezes apenas com o seu intelecto, fique aterrorizado com uma força imprevisível e irracional como o fogo.

No meio desta história, que também está muito bem conseguida, o mais interessante acabam por ser os encontros entre o Master e o Doctor. Outra vez. A relação dos dois é realmente muito estranha, entre o companheirismo de irmãos e a rivalidade de inimigos mortais. Um bocado inversa à relação que o Doctor tem com o Brigadier, que é uma das mais estranhas que já vi em ficção.

Na história seguinte, The Claws of Axos, aparecem uns aliens perturbadores, o Doctor revela a sua pouca paciência para aturar soldados, e a Jo torna-se mais interessante ao revelar a sua pouca paciência para aturar machismos. E o Master, sempre incrível, até colabora com o Doctor, sem que nenhum dos dois revele as suas verdadeiras intenções ao fim!


Muito bom mas, na minha opinião, é uma história que fica na sombra de A Colony in Space, que é bem melhor. Cá temos o Doctor novamente a viajar na sua Tardis, ainda que seja como pau mandado dos Time Lords. E cá temos uma história bem construída, bem explorada e bem conseguida. Todos os actores envolvidos fizeram uma excelente trabalho a demonstrar a luta inglória de uma colónia terrestre contra uma agressiva empresa de extracção de minério.

Não há cá acordos, nem nada que se pareça. Até tentam, mas redundam sempre na mesma coisa: porrada, traições e esquemas para mostrar quem é que manda. E como se isto não bastasse, existe ainda uma raça alien com uma história muito mais interessante do que parecia à primeira vista, e com um papel surpreendente no desenrolar da acção.

O final, esse, é impressionante a todos os níveis, e para todas as partes envolvidas. Gostei bastante destes episódios!

Ainda assim, foi a história final que me arrebatou completamente. The Daemons, considerada há décadas como uma das melhores histórias que Doctor Who já viu. Não discordo. Tem o melhor Roger Delgado até ao momento, e um argumento tão bem escrito que envergonha o resto da temporada. A luta aqui é mais ideológica do que outra coisa: ciência contra magia. De um lado o Doctor, céptico até às últimas, do outro quase toda a gente, levados por superstições e supostas manifestações sobrenaturais.


A parte interessante é ver o Master a conduzir rituais místicos. A minha primeira reacção foi “mas que raio”, a segunda foi “oh, wow, então é isso”, e quando os demónios, perdão, os daemons começaram a aparecer, a minha reacção foi “é melhor que me expliquem isto!, mas não agora, que quero ver o que vai acontecer”. Não estou a brincar. Finalmente uma história sem falhas, que nos conduz de um episódio para o outro sem perder o interesse e que tem uma explicação muito clarkiana. Aliás, o episódio final está recheado de momentos incríveis, e termina com o Doctor, sempre sábio, a dizer que “There's magic in the world after all!”, num óptimo contexto.

Tudo junto, isto faz desta temporada a melhor até agora, ainda que não com o melhor Doctor (William Hartnell continua imbatível, se querem que vos diga). Importante é ver onde é que isto vai dar, e como é que vai ser a próxima temporada, que também tem vários episódios famosos. Por agora estou mais do que satisfeito!

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Os Túmulos de Atuan (Ciclo de Terramar #2)


Autora: Ursula K. Le Guin
Tradutor: Carlos Grifo Babo


Opinião: Não sei o que dizer sobre este livro. Sim, é interessante, mas não é assim tão interessante. A protagonista, Arha, a Devorada, aborrece-me. A autora conseguiu ter um livro com uns 95% de personagens femininas, 3% de eunucos e o resto de homens, e não lidar quase nada com os assuntos óbvios sobre o poder e a fala dele que a mulher tem, enquanto género.

Não é que fosse uma obrigação, mas a história até se torna artificial, em certos momentos, por nunca se falar de nada disso, nem isso sequer ser um problema, ou uma questão, ou algo que se note que existe neste Universo. Seja pela positiva, pela negativa, devia-se pelo menos conseguir perceber, mas... nope.

Outra coisa que me aborreceu foi que a protagonista aborrecida que arranjaram está a substituir um dos protagonistas mais interessantes e bem construídos que já vi, Gued, o Gavião, que é apresentado no livro anterior, O Feiticeiro e a Sombra. Esse livro, já agora, é bastante bom. Este não.

A história até é interessante. Fascinantes cultos religiosos, que me pareceram bastante originais, com regras peculiares e uma hierarquia de deuses e reis e sacerdotes mais complicada que a genealogia em Westeros. Como tal, estive entusiasmado durante um bom bocado, que tenho interesse nessas áreas. E no entanto... Nada. Muito pouca exploração dos cultos em si. Muito pouca presença de Gued, a personagem que valia a pena. E aborreci-me.

Acabei por gostar do livro, porque ele é intrinsecamente interessante, mas fiquei longe de fascinado. Até porque notei algo que se nota no volume anterior, mas que é crítico nisto, que é o facto de nunca nada acontecer. Ou melhor, de nunca nada acontecer sem ser de forma silenciosa. Não há grandes confrontações, nem grandes actos de magia vistosa, nem grandes discursos, nem momentos climáticos, nada. Apenas conversas, conversas, conversas e tudo se resolve com conversas.

Para ser justo, há um momento de acção bastante elaborado mais perto do final, mas não compensa o resto da saga do livro. E o motivo de toda a história? Para lá de ridículo. Nem vou dizer exactamente qual é, para não vos estragar toda a "emoção" que de certeza vão ter, se lerem este livro.

Ficam as esperanças de que tudo melhore nos próximos dois livros, que não me fascinam tanto, assim à primeira vista e depois de ter lido este, mas que talvez me surpreendam. A ver vamos.

sábado, 15 de agosto de 2015

Presenças tangenciais

Ah, piadas matemáticas, são sempre tão... derivativas.

Há coisas na Literatura que me fascinam. Não falo apenas de uma escrita particularmente bonita, como a de Mia Couto, ou de histórias particularmente cativantes, como as Stephen King, nem sequer de livros tão próximos da perfeição que até metem medo, como muita coisa de Saramago, muita BD de Neil Gaiman e Alan Moore e O Conde de Monte Cristo. Falo de pormenores, muitas vezes técnicos, que me deixam rendido.

Por exemplo, quem ler histórias minhas rapidamente se apercebe de que gosto de narradores peculiares. É algo complicado de manipular, de um ponto de vista puramente técnico, mas que pode ter efeitos espectaculares.

Algo que cai nesta categoria é algo a que chamo presenças tangenciais. O nome é bastante auto-explicativo, mas estou a falar de personagens que são importantes, muitas vezes até fulcrais, para a história, mas que aparecem muito, ou muito de raspão. Tangencialmente.

Também não é fácil, em termos técnicos, e torna-se particularmente difícil de conseguir em termos narrativos. Como raio contar uma história em que uma personagem importante mal aparece?

Leia um dos vários livros em que isso acontece, para perceber. Que tal O Assassinato de Roger Ackroyd, de Agatha Christie, que tem ao mesmo tempo um narrador interessante e um Poirot que mal aparece que mas que resolve o mistério (a autora deve ter escrito este livro a pensar em mim)? Todo o livro se lê como uma história normal de Poirot mas com o ponto de vista retirado a Poirot e ao seu fiel companheiro, Hastings, e entregue a uma das personagens secundárias.

É espectacular, e embora o ponto forte do livro seja o narrador e a revelação final (pois é, ainda por cima tem um plot twist de fazer corar muitos plots twists, obrigado Agatha Christie), esta presença tangencial de Poirot é importante para que o livro funcione.

O mesmo se podia de muitas das histórias da saga Sandman, de Neil Gaiman, em que Morpheus e Death, que me lembre, aparecem em várias histórias como personagens meramente tangenciais, completamente de raspão, mas acabam por ter um impacto enorme, como não podia deixar de ser. O segredo aqui é a arte de contar histórias de Gaiman, mas isso redundou nessas presenças tangenciais de duas das personagens mais importantes desse universo

De uma forma menos óbvia, podemos falar do que se passa em O Conde de Monte Cristo, livro imenso no qual o Conde de Monte Cristo do título é uma personagem tangencial durante muito tempo. A história do livro é a sua vingança, a sua vida é a motivação de tudo o que acontece, e todos os acontecimentos narrados são de alguma forma relevantes para ele ou por sua causa. E no entanto passamos longas páginas sem ter notícias dele, e quando aparece, muitas vezes disfarçado e com um nome e título diferentes, tem um papel secundário para a acção. Aqui foi novamente a mestria de Dumas que possibilitou esta presença tangencial, mas não deixa de ser impressionante a forma como o fez.

Mas querem dois exemplos a sério de personagens que praticamente não aparecem mas que são as mais importantes no meio daquilo tudo? Comecemos pelo Comediante de Watchmen, então, que morre nas primeiras páginas mas que tem um grande impacto em tudo o que se segue. Foi das coisas que mais me intrigou, quando li o livro, esta capacidade de não estar lá mas influenciar tudo, e é preciso abençoar Alan Moore pela capacidade que teve de fazer isto tão bem feita na brilhante desconstrução dos super-heróis que é esse livro.

O outro exemplo é parecido, mas ainda mais extremo: em Lágrima, o mais recente livro do meu primo André, há uma personagem tão tangencial que nunca chega a aparecer no livro. Os protagonistas são o pai e a mãe dessa personagem, um miúdo que morre antes dos acontecimentos narrados no livro. Mesmo assim, esse miúdo, ou mais propriamente, a sua morte, é o tema principal do livro em redor do qual tudo se desenvolve.

Também em leituras mais recentes, há uma personagem que me cativou e que teve o azar de cair numa série de livros que achei menos bem conseguidos, por um motivo ou por outro: Gued, o Gavião do Ciclo de Terramar, de Ursula K. Le Guin. Extraordinária feiticeiro, faz uma série de coisas para lá da compreensão humana e no fim mantém-se humilde e sábio como ninguém. O primeiro livro é do seu ponto de vista, e é claramente um protagonista muito presente, assim como no terceiro livro, mas a sua presença no segundo e no quarto livro é, durante muitas páginas, tangencial. E isso só faz dele mais interessante, pois adiciona mistério a uma personagem que podia ter sido muito banal.

Mas por falar em mistério, sabem onde é que estas presenças tangenciais caem muito bem? No género do terror e em vilões de uma forma geral. Veja-se quase tudo o que Lovecraft escreveu: o medo e as sensações de horror são transmitidas não pela presença, mas pela ausência. Como o próprio Lovecraft afirma, o medo mais antigo é o do desconhecido. É por isso que nos seus escritos são as sombras que dominam, e também aquilo que se consegue ver, mas não apreender.

Aliás, muito do horror é feito exactamente assim, através do desconhecido e muitas vezes através de personagens tangenciais. Como acontecem com Misery, de Stephen King, em que o protagonista ocupa sozinho uns 80% do livro, enquanto a sua enfermeira psicótica, a impulsionadora de tudo o que acontece, aparece de vez em quando, e quase sempre de raspão. Dá-lhe um ar mais instável e não nos deixa confiar naquilo que vemos: como é que podemos ficar a conhecer uma pessoa a vê-la durante cinco minutos de cada vez?

Tenho a certeza de que existem muitos mais exemplos, mas estes são só os que me lembro claramente, de olhar para a lista de livros que já li. Acho interessante, e é algo que ainda tenho que fazer com sucesso numa das minhas histórias, mas agora que já vos apresentei o conceito e alguns exemplos, lembra-se de mais algum caso? Seja para me relembrar, ou para me dar a conhecer, agradeço!

sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Cidade Suspensa


Autor: Penim Loureiro


Opinião: A capa intrigante, boas opiniões que tinha ouvido, e um preço simpático. Foram estas as três razões que me levaram a comprar este livro na Feira do Livro. Não sabia minimamente ao que ia, e posso desde já dizer que até estava à espera de uma coisa, e encontrei outra, sem que isso tenha diminuído o quanto gostei do livro.

O ponto principal, quem discordar que me desculpe, é a arte. O traço de Penim Loureiro é fantástico, de uma mestria subtil que não deixa nada ao acaso e que conta tanto, ou até mais do que as palavras que a acompanham.

Também há pormenores excelentes, uma excelente noção de como contar uma história, e um excelente aproveitamento de Portugal e colectivo imaginário lusófono, mas é a arte que brilha, em todo o esplendor, com o virar de cada página.

Até porque o enredo é, digamos... mehzito. Tem interesse, e é uma boa exploração semi-autobiográfica do percurso do autor, bem enredada na História e Cultura portuguesa, com aparições da Passarola e menções a D. Sebastião, azulejos, a cidade de Lisboa um bocadinho por toda a parte e até uma menção a As Horas de Maria, um filme do grande António de Macedo (caro Penim Loureiro, pontos a dobrar, ou a triplicar, por isso!). Mas no entanto nunca me cativou por aí além. Talvez por causa da forma desapaixonada com que a história é contada, pelo menos na parte escrita.

Este parece-me ser daqueles livros que tinha beneficiado de ter menos narração e menos diálogos, para dar mais espaço aos desenhos e às cores. Basta folhear o livro e escolher os momentos mais marcantes e mais excepcionais: são, quase todos, apenas imagens sem narração nem diálogo. A força do autor está na construção da narrativa gráfica, e embora o resto esteja bom, não óptimo, mas bom, é mesmo a arte que acaba por triunfar.

E isto vindo de um autor que me era um completo desconhecido, assim como o será para a maior parte dos leitores, parece-me. O facto da sua actividade enquanto autor estar maioritariamente circunscrita ao início dos anos oitenta, este Cidade Suspensa é um excelente convite para o ficar a conhecer, algo que acho que toda a gente devia fazer.

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Mr. Holmes (2015)



Adaptações de Sherlock Holmes é coisa que não falta por aí. Já são décadas de séries, filmes, livros, peças de teatro e tudo o mais que se possa imaginar. A série da BBC, Sherlock, tem feito um excelente trabalho, com Mark Gatiss e Steven Moffat a escrever, Benedict Cumberbatch e Martin Freeman nos papéis principais, e um espírito de modernização e adaptação que não trai as histórias originais nem a essência das personagens e do autor.

Mas é complicado. Sherlock Holmes não é uma personagem fácil, e as suas histórias não são normais. Já todos estamos mais do que habituados ao estilo, de tanto as lermos, mas basta pensar em como as adaptar a outro meio, que ficamos logo a piar mais fininho.

Raramente há grandes cenas de acção, e há histórias inteiras em que o protagonista, Sherlock Holmes, mal sai do cadeirão no seu apartamento em Baker Street. Literalmente. São histórias intelectuais, mais preocupadas com as personagens e os mistérios do que outra coisa. É por isso que se torna complicado adaptá-las, ao contrário das histórias de Poirot, que é um homenzinho enérgico, carismático e sempre a andar de um lado para o outro.

Sherlock é quase apático. É carismático, é certo, mas é peculiar. Tanto pode ser o centro das atenções como uma nódoa num canto para quem ninguém olha. Para se ter noção da dificuldade da adaptação, basta pensar nos filmes relativamente recentes com Robert Downey Jr. no papel do detective, e Jude Law no de Watson. Chamar-lhes ridículos é dizer pouco. Transformar Sherlock num herói de acção, promíscuo, sempre a fazer piadas e a usar o seu poder de dedução para calcular a trajectória da marreta que lhe vai acertar, é o mesmo que fazer um Poirot sem bigode, um Tyrion Lannister com dois metros de altura, ou uma Carrie lindíssima e popular.

Esses filmes podem até ser minimamente agradáveis (duvido), mas não são filmes do Sherlock Holmes. São filmes de acção relativamente genéricos, numa Londres vitoriana, com personagens com nomes iguais às das histórias de Conan Doyle. Mais nada.

Um problema que não atinge este Mr. Holmes. Baseado em A Slight Trick of the Mind, de Mitch Cullin, a visão que nos dá é a de um Sherlock em fim de vida, reformado e entregue às suas abelhas. Com noventa e três anos, está fragilizado, muito esquecido e completamente reformado das andanças de detective privado. Mas não deixou de ser Sherlock Holmes, profundamente inteligente, socialmente estranho, com uma tenacidade de ferro e algumas surpresas.


Ser interpretado por Ian McKellen já era mais do que suficiente para chamar a atenção. É de facto uma representação excepcional a todos os níveis, que de certa forma acaba por carregar todo o filme às costas. Mas um Sherlock a caminhar para o senil diz-nos mais coisas: que as histórias de Watson são largamente exageradas, que nunca usou um chapéu como o que lá vem descrito, e que a morada está ligeiramente errada, para não atrair demasiados visitantes. Ah, e Sherlock é uma pessoa muito mais calorosa e "normal" do que seria de esperar. Watson é que tomou certas... liberdades literárias.

É por isso que vemos um Sherlock de bengala a passear com o filho da governanta, um miúdo novo e perspicaz que encaixa muito bem na personalidade do detective. Juntos, cuidam das abelhas, ouvem raspanetes da governanta, e vão numa viagem pelas memórias que Sherlock tem do seu último caso. Este é, aliás, uma das grandes questões do filme: a memória. Velho, mesmo muito velho, o detective tenta de tudo para reavivar e manter viva a sua memória, com o objectivo de escrever uma última história, a do seu último caso, desta vez pelas suas palavras, para corrigir algumas incorrecções de Watson.

Esse último caso, acabamos por saber, tem um desfecho fascinante e inesperado, e é o que afasta definitivamente Sherlock da vida de detective. A curiosidade do filho da governanta, por seu lado, é o que o volta a atrair a essa vida, ainda que por breves momentos, não só para completar a história, mas também para a contar, e para conseguir ficar em paz consigo próprio.

Repleto de bons momentos e interpretações fantásticas, particularmente a de McKellen, mas também a de Milo Parker, como filho da governanta, Laura Linney, como a governanta, e mais alguns. Não sei se é uma boa adaptação do livro de Mitch Cullin, mas é uma boa adaptação de Sherlock Holmes, e um bom exemplo dum filme que não precisa de explosões, câmaras a abanar violentamente, trágicas histórias de amor, mamas, nem nada desses elementos que parecem indispensáveis nos filmes modernos. Mr. Holmes é, sem sombra de dúvida, um filme diferente da maior parte dos que andam por aí. E ainda bem, pois tem um dos melhores Sherlocks que já vi!


segunda-feira, 10 de agosto de 2015

O Feiticeiro e a Sombra (Ciclo de Terramar #1)


Autora: Ursula K. Le Guin
Tradutor: Carlos Grifo Babo


Opinião: Depois de ter lido o Lavínia, não tem sido difícil escolher Le Guin como leitura. A sua escrita naquele livro deixou-me maravilhado, mais do que a história. Le Guin é claramente uma autora com o dom da escrita literária que os críticos tanto gostam, uma escrita bonita, trabalhada, mas não complexa.

Essa escrita é o veículo perfeito para transmitir as ideias e as mensagens da autora, o que se nota claramente em O Dia do Perdão, um livro que não é bem político, mas claramente politizado.

A minha namorada fez-me o favor de me emprestar os quatro livros do Ciclo Terramar, e não hesitei, comecei a lê-los seguidinhos, para os acabar de rajada! Esperava eu. Não se tem revelado uma leitura assim tão fácil, e são livros considerados como autênticos clássicos e jóias-da-coroa da Fantasia.

Este O Feiticeiro e a Sombra, por exemplo, comete logo um pecado enorme na primeira página, que é fazer-me um resumo de todos os acontecimentos importantes na vida do protagonista. Duas ou três linhas, apenas, mas me dizem logo que toda a luta do protagonista vai compensar, que ele não vai morrer e que no fim vai ser o herói que já todos esperamos (infelizmente) que um protagonista seja.

Logo aí comecei a perder o interesse. Mas a escrita de Le Guin, embora muito longe da que demonstra em Lavínia, não deixa de ser cativante, e a história que vai sendo contada, por muito que tenha perdido alguma da tensão que algumas situações poderiam transmitir, continua a ser interessante. O que é fascinante, se querem que vos diga. Aqui está um livro que logo na primeira página faz algo que para mim é mais do que um pecado capital, e que depois, durante toda a leitura, me mantém cativado. É preciso ser um bom livro!

E é exactamente isso que isto é. Um bom livro por si só, e como começo de um ciclo, pois o mundo que a autora cria é complexo e relativamente vasto, com muitas coisas mencionadas, mas não vistas, quanto mais explicadas. A personagem principal, Gued, começa como uma criança e acaba como um homem, tendo um crescimento recheado de altos e baixos que valem a pena acompanhar.

Foi bom ter lido um livro de Le Guin que é um meio termo entre Lavínia e O Dia do Perdão. Não é uma obra explicitamente concentrada na história e na escrita, nem uma completamente devotada a passar uma mensagem política e moral. Faz um bocadinho de ambas, tem uma boa história e passa boas mensagens sobre crescimento, adversidades, ambições, medos e coragem.

Não me deixou tão fascinado quanto eu estava à espera, mas foi um bom esforço. Valeu definitivamente a pena, e talvez eu tivesse as expectativas demasiado altas... Tudo depende dos outros livros, mas chegado a este ponto, parece-me que há muito potencial.

sábado, 8 de agosto de 2015

Sobre ensinar a escrever


Vamos lá falar de coisas sérias. Eu leio que me desunho, mas também escrevo. Vou publicando coisas por aí, onde consigo, incluindo em sítios novos, como se de projectos novos se tratassem (de onde é que isto veio?), e considero-me um aspirante a escritor amador.

Devo isto à dose massiva de livros que sempre tive em casa, e que raramente me foram negados, e também à minha curiosidade natural. Já o disse algures, mas a Literatura, tanto a leitura como a escrita, é o verso da moeda da Ciência, para mim. São duas formas de explorar o mundo, das quais eu uso e abuso porque quero aprender, acima de tudo.

A Ciência deixa-me compreender o mundo e ver para lá das coisas, enquanto que a Literatura me deixa ver o mundo. E quem diz mundo, diz pessoas, diz eu. Aquilo que têm em comum é que ambas as faces da moeda me deixam maravilhar com o mundo.

E sem dúvida que desde muito cedo que interliguei ambas as coisas. Ou que, pelo menos, as deixei coexistir em força, nunca optando realmente nem por uma nem por outra. Sim, escolhi seguir Ciências, e mais tarde Engenharia, porque acho que é aí que posso fazer a diferença, mas nunca deixei de ler nem de escrever.

No entanto quase nunca ninguém me ensinou a escrever, propriamente falando. Raras foram as pessoas que se preocuparam com a beleza de uma frase e a assertividade de certa palavra, ou que me deram conselhos sobre a estrutura narrativa de uma história. Era sempre preciso era escrever sem erros e que ficasse um texto claro e perceptível.

Ou seja, até um certo ponto, não há muito tempo, tudo o que sabia, aprendi por mim e a bater com a cabeça nos livros. Mas lá surgiu a oportunidade. Juntei-me à Oficina de Escrita da Trëma, conheci pessoas com quem partilhar os meus textos que me diziam mais do que "está giro" e foi uma festa.

Aprendi muito (ainda ando a aprender) e acho que se não tivesse tido estes dois golpes de sorte, se calhar já tinha deixado de escrever. Como tal, sinto a necessidade de divagar um bocado sobre o assunto.

É que há quem diga que ensinar-se a escrever é idiota, tal como o são as oficinas e workshops de escrita, assim como há quem diga que para escrever um bestseller basta seguir um certo número de passos e ter muita perseverança. Acho que estão ambos errados, e tendo eu sido aluno de escrita, participando activamente num grupo de escrita, e até já sendo um ocasional professor de escrita, tenho que pôr as coisas em pratos limpos.

A primeira coisa é que estou a falar de escrita a sério, e não do Pedro Chagas Freitas, esse tipo execrável cujo nome do meio podia ser mainstream, e que tem umas ideias muito deturpadas sobre Literatura e escrever e vender livros. Aquelas coisas que ele faz, pelo Facebook e tudo, cujos mails continuo a receber, por muito que refile, são coisas idiotíssimas, sobre as quais nem sequer me quero alongar. Meros esquemas para sacar dinheiro a tipos ou desesperados por mostrar o quão espectaculares são, ou palermas o suficiente para acharem que é isto que os vai tornar espectaculares, e que é normal andar a desembolsar valores ridículos por umas achegas no Facebook, praticamente públicas.

Enfim. Isto chateia-me porque continua a perpetuar o estigma que existe contra as oficinas de escrita, que podem muito bem ser coisas fantásticas! É aqui que entro em desacordo com quem diz que ensinar-se a escrever é idiota. Claro que não é. O que vocês querem dizer é que não se pode ensinar ninguém a ser um Saramago, ou um Poe, ou um Murakami, ou um Dickens, ou um Orwell, ou um Balzac, ou um Tolstoi, ou um Mia Couto, nem nada que se pareça. Completamente de acordo.

Mas pode-se ensinar a escrever. Podem-se ensinar técnicas, podem-se ensinar exercícios, podem-se apontar falhas fatais, podem-se dar sugestões construtivas que ajudem as pessoas a perceber "epah, sempre que tento escrever terror acabo com pessoas aos beijos, se calhar vou escrever histórias de amor". É isso que se faz numa oficina de escrita. Numa boa oficina de escrita, pelo menos.

Aqui dou o exemplo da Oficina da Trëma, que degenerou, no melhor sentido possível da palavra, no grupo Polícia Bom, Polícia Mau. Nunca ninguém nos disse "tens que escrever assim" ou "precisas de usar estas palavras", nem ninguém transformou ninguém num escritor, vindo do nada. Não. É preciso ter-se talento? Talvez. É preciso ter-se pelo menos algum jeito para a coisa? Sem dúvida! Mas também é preciso muito, mas muito trabalho.

O que a Oficina me deu foi calo: muita escrita, muita leitura, muita crítica a fazer, muita crítica a ouvir. Aprendi e evoluí da mesma forma que o Son Goku no Dragonball (good gauss, ainda me consigo surpreender com o tamanho da minha cromice), que apanhava porrada até ficar semi-falecido, recuperava, e não só estava logo melhor, como aprendia com os erros. Algo que sempre achei muito importante, em tudo, excepto em médicos e bombeiros e assim. Se alguma vez tiverem que lidar comigo, façam-no bem à primeira, se faz favor. Mas de resto, errar não é assim tão mau, nem sequer há melhor forma de aprender.

Portanto é possível ensinar a escrever? Sem sombra de dúvida. É possível ensinar a ser um Saramago? Nem que tenham o melhor professor do mundo (quanto mais com as Chagas que andam por aí). É preciso ter jeito? Sem sombra de dúvida. É possível melhorar, com esforço, mesmo que o jeito seja pouco? Claro que sim.

Que existam oficina de escrita, desde que bem feitas!