Está na altura da segunda metade da crónica escrita pelo Jorge, e cuja publicação comecei há uma semana. Depois de uma introdução e uma perspectiva histórica, está na altura de entrar na parte em que a literatura se junta ao grunge numa fusão gloriosa e omnipotente QUE DOMINARÁ O MUNDO... Está bem, esta última parte fui eu que inventei, mas aposto que ele não se importava muito.
Sem mais demoras, um obrigado ao Jorge por ter aceite o convite, e já agora por ter executado tão bem. Lá vou ter que acrescentar alguns livros à minha lista, não é verdade?
Pensar em flanela e nihilismo
Passada esta “nota histórica”,
quem pensa que o grunge era apenas sobre música agressiva e
deprimente, que se desengane; este movimento foi expandido de uma
forma brutal, que influenciou a música a ouvir, a roupa a vestir e
até os pensamentos a ter.
E, visto que este é o tema desta
crónica (e deste blog), os livros a ler? Pois, aí está o
ponto-chave a que eu queria chegar; se pensarmos apenas na sua
influência literária de forma bastante literal e pouco aprofundada,
encontramos, com algum desapontamento, um género exclusivamente
australiano, denominado Grunge Lit, onde a escrita
semi-autobiográfica decidiu “apanhar boleia” do excesso emotivo
do grunge e do sucesso deste na altura, dando origem a
romances onde a “existência real e suja” e “a libertação de
emoções” eram os principais motes na escrita.
Sem grande surpresa, este género
nunca conheceu qualquer sucesso além-fronteiras e dele não reza a
História; assim sendo, ficamos por aqui? O grunge foi muito
giro e influenciou absolutamente tudo na década de 90, menos a
Literatura e o seu muro impenetrável?
Pois, se calhar não... A verdade é
que não se pode olhar para a influência deste movimento como algo
assim tão literal; a verdade é que o grunge introduziu uma
forma de pensar, em conjunto com alguns ideais muito próprios, com o
objectivo de “pregar” a raiva, o desejo de provocação e o mais
puro nihilismo, com a introdução de elementos como o sarcasmo negro
e constante.
Desta forma, já é inegável
verificar uma influência deste movimento na Literatura da época (e
até de períodos anteriores, mas já lá vamos).
Antes de mais, é importante referir
que antes do grunge influenciar o que quer que seja, os livros
também tiveram um papel importante a moldá-lo; O Perfume,
clássico de Patrick Suskind, pelo seu retrato íntimo de um
protagonista renegado pela sociedade pelo seu “dom”, ou Junky,
pelo seu relato destrutivo e nihilista de uma vida movida a drogas,
foram referidos por Kurt Cobain como os seus livros preferidos (sendo
que o primeiro deu origem a “Scentless Apprentice”, dos Nirvana)
e grandes influências que lhe moldaram a sua forma de pensar e de
fazer música, que por sua vez influenciou toda uma geração.
Para além destas, outras obras,
pelos seus elementos destrutivos ou anti-sociedade, foram referidos
por importantes líderes do grunge, como Eddie Vedder ou Chris
Cornell como obras que lhes mudaram a vida e moldaram a mentalidade;
estou a falar de livros “potentes” como A Clockwork Orange,
de Anthony Burgess, ou 1984, de George Orwell.
Portanto, já percebemos qual foi a
influência inicial da Literatura sobre o grunge, sob a forma
de obras que basicamente formaram a mentalidade do movimento; mas e a
influência oposta? Ou seja, que obras transmitem exactamente os
“ensinamentos” que esta época tão avidamente procurava?
Livros grunge, ou como Pahlaniuk
mudou o mundo
Primeiro que tudo, uma palavra para
as obras que ganharam novo fôlego com o grunge; livros como
Requiem for a Dream, de Hubert Selby Jr, registaram um aumento
de vendas brutal durante a época em que o grunge reinou,
devido às suas temáticas depressivas e nihilistas que se
identificavam tão bem com o pensamento da época, mesmo tendo-lhe
antecedido.
Mas o importante não é isso; o
importante é American Psycho. Este livro, editado em 1991
(ano da supremacia total do grunge) foi a primeira prova de
que o desejo de provocação social estava bem aceso, inclusive na
Literatura da época, onde é inegável, para quem ler a obra, que
transparecem os mesmos elementos defendidos por todos os grungers
dos anos 90, daí que o sucesso deste romance seja também associado
à época em que foi lançado.
Outro livro que é impossível
esquecer, inserido neste contexto, é a magnum opus de Chuck
Pahlaniuk, Fight Club, lançado em 1996 e que mudou o panorama
literário da época por completo. O seu relato de libertação, ao
mesmo tempo nihilista e apetecível, regado a reflexões destrutivas
e personagens depressivas e inconstantes parece ter sido a definição
de grunge e, se não o foi, é pelo menos a obra literária
que melhor personifica o movimento que a influenciou inegavelmente.
Passando para um género diferente,
Jack Frusciante Has Left the Band é uma obra italiana que, à
primeira vez, não parece nada de especial, merecendo o rótulo de
“romance adolescente”, mas os seus contornos trágicos e
“auto-descoberta” com elementos da adolescência que seguia o
grunge tornam a obra muito mais interessante, no ano em que
este movimento iniciou o seu declínio (1994).
À medida que nos aproximamos da
década de 00, as influências do grunge vão diminuindo,
devido à perda de relevância do próprio movimento, que se começou
a ver ultrapassado por uma nova vaga de Metal que se
metamorfoseou no bem-sucedido emo e pelas primeiras vagas do
indie, que deu origem à actual geração hipster.
No entanto, ainda se notam algumas
obras com influências do grunge, como o famoso The Perks
of Being a Wallflower, embora já impregnado com elementos
típicos da cultura pop que dominou a transição entre os
milénios.
Desta forma, é fácil perceber que
o grunge foi muito mais que um género musical passageiro,
tendo sido um movimento por pleno direito que influenciou milhões de
pessoas de uma forma permanente, mesmo que o seu sucesso tenha sido
efémero (talvez mesmo por isso), dando-lhes uma mentalidade e ideais
que ainda hoje se reflectem em vários aspectos da nossa cultura
contemporânea.
Em jeito de conclusão, resta-me
agradecer ao Rui pela oportunidade que me proporcionou, ao escrever
sobre dois temas que me são tão pessoais e acarinhados, sendo eu um
leitor ávido e um grunger assumido e espero que não se
aborreçam com esta crónica (tentei manter o nível de detalhes ao
mínimo possível), antes que aprendam com ela, tal como eu aprendi
com figuras como o Kurt Cobain ou o Chuck Pahlaniuk.